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A Ucrânia pode ganhar a guerra? Dez perguntas sobre o conflito

As repórteres Jenny Hill e Orla Guerin — que estão em campo — tiram dúvidas sobre o conflito. Ucrânia fala em recuo perceptível das tropas russas no norte
A Rússia continua a enfrentar forte resistência da Ucrânia, mais de um mês depois do início da invasão ao país.
As forças ucranianas começaram tentativas de retomar algumas áreas da Rússia, que anunciou nesta semana que reduziria as operações em torno de Kiev e da cidade de Chernihiv, ao norte.
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No sábado (2/4), a ministra interina de Defesa da Ucrânia, Hanna Malyar, disse que “toda a região de Kiev foi libertada dos invasores”.
Enquanto isso, quatro milhões de pessoas fugiram da Ucrânia e acredita-se que um quarto da população do país esteja desalojada.
A seguir, duas repórteres da BBC em campo respondem a perguntas enviadas pelos leitores:
Orla Guerin, que está em Kiev, capital da Ucrânia;
E Jenny Hill, que está na capital russa, Moscou.
À luz dos recentes contra-ataques feitos pela Ucrânia, e assumindo que as negociações diplomáticas entre a Ucrânia e a Rússia fracassem, é possível que a Ucrânia seja capaz de “ganhar” esta guerra militarmente? (pergunta de Harry Tinsley)
Orla Guerin – Em termos militares, até agora a Ucrânia até que está se virando bem. Ucrânia.
O país surpreendeu o presidente Putin e o mundo ao montar uma resistência habilidosa e obstinada contra um exército maior e mais bem equipado. Da mesma forma, as forças russas surpreenderam o mundo por serem desorganizadas e ineptas.
Vimos um exemplo do sucesso da Ucrânia em combate em uma linha de frente perto de Kiev na semana passada. As forças ucranianas nos disseram que os russos tentaram invadir quatro vezes no mês passado, e todas as vezes foram impedidos. A evidência estava lá na forma de cerca de meia dúzia de tanques e veículos blindados russos queimados.
Soldados ucranianos observam destroços em Bucha, próximo a Kiev, capital da Ucrânia
REUTERS/Zohra Bensemra
A invasão russa está agora em sua sexta semana e fracassou nas principais frentes — os russos não conseguiram entrar em Kiev, derrubar o governo ou tomar qualquer grande cidade — exceto Kherson — no sul. A Rússia destruiu mais do que capturou. Um retorno baixo para uma invasão cara.
Dito isto, é muito cedo para prever o desfecho por aqui.
Podemos estar no início de uma longa guerra. A Rússia diz que se concentrará agora na região de Donbas, no leste da Ucrânia. Pode ter pouca escolha, tendo fracassado em obter ganhos em outros lugares. Mas, no futuro, pode retomar a tentativa de capturar mais território em outros lugares.
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O destino de Putin provavelmente está ligado ao sucesso ou fracasso da invasão. Ele pode continuar a enviar tropas, blindados e armas pesadas no longo prazo.
O fato da Rússia estar recrutando no Oriente Médio mostra falta de confiança na qualidade de suas próprias forças? (pergunta de David Carter)
Jenny Hill – O Kremlin nunca admitiria isso, mas há evidências de que pelo menos algumas das tropas russas são inexperientes e despreparadas para a missão. Recentemente, o Ministério da Defesa foi forçado a admitir que — ao contrário das alegações de Putin — recrutas foram enviados para lutar na Ucrânia.
Moscou afirma ter 16 mil “voluntários” do Oriente Médio, muitos dos quais lutaram contra o Estado Islâmico na última década, prontos para se juntar às tropas russas. Eles podem ter mais experiência do que alguns de seus colegas russos. E alguns especialistas dizem que provavelmente seriam mais habilidosos no tipo de combate urbano necessário para tomar cidades e vilas.
Alguns argumentam também que seriam menos relutantes em atacar ou matar civis ucranianos (muitos russos têm laços estreitos com a Ucrânia e consideram as pessoas de lá como “irmãos”), e que a reputação de brutalidade deles pode ter um efeito psicológico sobre as tropas ucranianas.
A Rússia continua a enfrentar forte resistência da Ucrânia
Getty Images via BBC Brasil
O Kremlin supostamente sabe de tudo isso, e é por isso que estava tão interessado em divulgar seu acesso aos combatentes do Oriente Médio — embora ainda não tenha confirmado oficialmente que realmente vai enviá-los.
Até que ponto as munições não detonadas continuarão sendo um problema para a Ucrânia após a guerra? Existe a possibilidade de que grandes áreas sejam consideradas inacessíveis como resultado? (pergunta de Robbie)
Orla Guerin – Infelizmente, sim, como tantas vezes acontece em conflitos, o risco para a vida humana permanecerá por muito tempo depois que a guerra acabar.
O perigo vem não apenas de munições não detonadas, mas também de minas terrestres. Elas podem matar nos próximos anos, a menos ou até que as organizações de remoção de minas possam limpar as áreas da linha de frente. Eu vi essas organizações trabalhando depois de outras guerras. Seu trabalho é meticuloso e demorado.
Antes do início da invasão, já havia uma guerra no leste do país entre separatistas apoiados pela Rússia e o governo da Ucrânia. Começou em 2014 e vem se arrastando desde então.
Enquanto cobríamos a linha de frente do conflito no final de janeiro e fevereiro, tivemos que contornar cuidadosamente muitos campos minados. Naquela época, a neve estava derretendo, transformando o solo em lama. Nestas condições, as minas podem facilmente mudar sua localização original (que pode ter sido marcada em mapas ou cercada).
Tanque russo destruído em Trosyanets, na Ucrânia
Getty Images via BBC Brasil
Atualmente, na cidade de Irpin, ao norte de Kiev, o exército ucraniano diz que há um alto risco de morte por causa das minas nas ruas.
Está ficando mais ou menos provável que o povo na Rússia derrube Putin ou haja uma agitação civil maior, quanto mais tempo durar o conflito? (pergunta de Damien Fieldhouse, Somerset)
Jenny Hill – Menos provável.
O Kremlin é duro com aqueles que se opõem à guerra, e muitos russos que pensam assim fugiram. Os protestos de rua, que eram quase diários, diminuíram.
As pesquisas de opinião do estado devem ser vistas com algum ceticismo, mas mostram consistentemente o apoio da maioria (cada vez maior) a Putin e à sua “operação militar especial”.
Dado que a maioria dos meios de comunicação russos independentes foram bloqueados ou forçados a fechar, há poucas alternativas à mídia estatal, que se apega à narrativa do Kremlin. A mesma diz que as tropas russas só entraram na Ucrânia para defender a população de língua russa de ataques e do “genocídio” perpetrados por nacionalistas ucranianos e neonazistas.
Se você só assiste à TV estatal, pode muito bem concluir que esta é de fato uma operação honrosa e necessária para salvar os falantes de russo e a própria Rússia de uma Ucrânia agressiva que, com a ajuda dos Estados Unidos, está desenvolvendo armas biológicas e está desesperada para colocar suas mãos em armas nucleares.
As sanções estão começando a ter um efeito perceptível com o aumento dos preços, mas o Kremlin enquadra isso como outro exemplo de agressão do Ocidente. Nesta fase, é difícil ver qualquer insatisfação pública evoluindo para uma revolução.
Quem vai pagar para reconstruir os danos infligidos à infraestrutura na Ucrânia — quanto mais o custo humano? (pergunta de Steve Sandercott, Rugby)
Orla Guerin – O maior custo é o humano e está aumentando a cada dia. O número verificado de mortos civis, segundo as Nações Unidas, é de cerca de 1,2 mil pessoas, mas o número real será muito maior. Acrescente a isso o fato de que 4 milhões de ucranianos tiveram que fugir e se tornar refugiados em outros países.
Há também uma vasta destruição física, em cidades e vilas em todo o país. Nenhum lugar sofreu mais do que Mariupol, no sul, onde passamos 10 dias na contagem regressiva para a invasão.
Naquela época, era uma cidade portuária movimentada, com cafés badalados, restaurantes cheios e famílias passeando pelos parques. Imagens de satélite de Mariupol agora mostram sobretudo uma terra arrasada, com 90% dos edifícios residenciais danificados ou destruídos.
As pesquisas de opinião do estado devem ser vistas com algum ceticismo, mas mostram o apoio da maioria (cada vez maior) a Putin
Getty Images via BBC Brasil
Sabe-se que cerca de 5 mil pessoas foram mortas apenas nesta cidade, de acordo com autoridades ucranianas. Elas dizem que o número real de mortos pode ser o dobro disso.
O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, prometeu restaurar “todas as casas, todas as ruas e todas as cidades”. Ele diz que a Rússia terá que “aprender a palavra ‘reparações'” e pagar o custo total.
A Ucrânia certamente vai querer que as reparações sejam uma parte fundamental de qualquer acordo feito para acabar com a guerra. Se a Rússia vai pagar — e quanto vai pagar — vai depender de quem tiver em vantagem quando o acordo for feito. Teoricamente, os ativos russos no exterior, congelados pelos países do G7, poderiam ser usados ​​para ajudar a pagar a conta.
Se houver um acordo de paz, como a Ucrânia/Rússia lidaria com a Crimeia, as regiões tomadas pela Rússia em Donbas no mês passado e as áreas que foram controladas por rebeldes apoiados pela Rússia nos últimos anos? (pergunta de Ryan McGauley)
Jenny Hill – Sabemos que Putin quer que o mundo reconheça a Crimeia, que a Rússia anexou em 2014, como russa. Durante as negociações no início desta semana, a parte ucraniana sugeriu que o status da Crimeia fosse negociado ao longo de 15 anos como parte de um acordo de paz geral, embora seja difícil ver Putin concordar com isso.
Ele também quer que a comunidade internacional reconheça (como ele fez) as autoproclamadas repúblicas populares de Donetsk e Luhansk como independentes (embora isso signifique basicamente “controladas pela Rússia”).
Dado que o plano atual do Kremlin é intensificar seus esforços no leste da Ucrânia para “libertar” toda a região de Donbas, podemos supor que Putin pretende tentar tomar — e manter — a região.
Vimos os militares ucranianos serem muito eficazes em certas áreas. O que impede os militares de destruir a artilharia russa que está bombardeando suas cidades? (pergunta de Paul Ackrill)
Orla Guerin – Especialistas militares independentes apontam para um possível fator. Eles dizem que a Rússia está disparando artilharia de veículos com esteiras, que podem mudar rapidamente de local depois de disparar. Isso os torna mais difíceis de atingir.
As forças ucranianas nos disseram que também estão restringidas por causa da presença de civis em áreas construídas de onde a Rússia está atirando. Eles não querem arriscar matar seu próprio povo enquanto atacam a artilharia russa. Este tem sido um problema em cidades como Bucha, nos arredores de Kiev, onde alguns civis permaneceram apesar da presença das forças russas.
Ao redor de Kiev, as forças ucranianas conseguiram repelir os russos, limitando o escopo para o uso de artilharia. Como o centro da cidade está fora de alcance, os homens de Putin não conseguiram bombardear Kiev como fizeram em Mariupol, e recorreram a ataques aéreos.
No entanto, as defesas aéreas ucranianas têm funcionado bem. Várias vezes aqui em Kiev ouvimos um estrondo quando um míssil russo é derrubado — às vezes, com vítimas no solo.
Em geral, a Ucrânia tem pedido mais e melhores sistemas de defesa aérea para ajudar a conter a ameaça russa. E a demanda constante aqui é para que a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) imponha uma zona de exclusão aérea. Encontramos civis fugindo do bombardeio de Irpin que imploraram para a Otan “fechar os céus”. No entanto, poucos aqui acreditam que há alguma chance disso acontecer, por causa do medo ocidental de se envolver em uma guerra mais ampla.
Putin impôs enormes restrições à imprensa na Rússia, mas existe a possibilidade de que as notícias reportadas pela Ucrânia — por exemplo, o número de mortes de soldados e civis — não sejam totalmente precisas? (pergunta de Sarah, Oxford)
Orla Guerin – Ambos os lados estão travando uma guerra de informação, além da guerra nos campos de batalha.
Em qualquer conflito, as informações de qualquer uma das partes em guerra — sobre mortes de civis, território capturado ou soldados inimigos mortos — devem ser vistas com cautela.
Isso é especialmente verdade agora em relação à Rússia — que está tentando garantir que seu povo receba apenas a versão dos eventos do Kremlin. Ainda se recusa a admitir que invadiu a Ucrânia e se refere apenas à sua “operação militar especial”.
Priorizamos reportagens em primeira mão, e é por isso que a BBC tem equipes em tantas partes da Ucrânia — coletando depoimentos das pessoas em campo, incluindo civis, equipes médicas, autoridades locais e militares ucranianos.
A Ucrânia está reconhecendo que sofreu perdas, e equipes da BBC em diferentes cidades puderam reportar os funerais de soldados ucranianos mortos em batalha. Ainda não podemos saber se a extensão total das perdas está sendo divulgada.
Existem russos antiguerra? Eles estão seguros? (pergunta de Roanna, Brighton)
Jenny Hill — Sim, existem, mas é difícil avaliar o quão difundida esta dissidência realmente é.
Se manifestar contra a guerra — ou até mesmo dizer a verdade sobre o que Putin continua a insistir ser apenas uma “operação militar especial” — pode resultar em uma condenação criminal e possivelmente em uma pena de prisão.
Foi reportado que mais de 15 mil pessoas foram detidas por participarem de protestos de rua quase diários durante as primeiras três semanas da invasão.
A maioria dos jornalistas independentes e muitos russos que se opõem à invasão fugiram do país para lugares como Turquia, Armênia e Geórgia. O Kremlin os chama de traidores, e alguns daqueles que ficaram se tornaram alvo de abusos ou ataques.
Estamos vendo o ponto de vista dos soldados ucranianos da linha de frente, mas é possível obter a perspectiva do lado russo? Vocês estão impedidos pelos russos de informar e falar com as tropas russas em solo ucraniano? (pergunta de Robert, Bishop’s Stortford)
Jenny Hill -Não posso responder pelos meus colegas atualmente na Ucrânia, mas o Kremlin controla rigidamente o fluxo de informações que volta à Rússia.
O Ministério da Defesa divulga atualizações frequentes que enfatizam consistentemente o sucesso da “operação militar especial”. Soldados russos estão proibidos de usar smartphones, e Moscou tornou crime publicar informações que desacreditem os militares russos ou divulgar o que o Kremlin consideraria notícias falsas a respeito.
Existe uma organização independente que visa ajudar as famílias dos militares a obter informações sobre eles. No entanto, nos disseram recentemente que estão sob considerável pressão das autoridades para interromper suas atividades.g1 > MundoRead More

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