Artista russo é investigado por exibir escultura ‘antipatriótica’ em Moscou
O Comitê de Investigação da Rússia abriu um caso de “reabilitação do nazismo” contra Oleg Kulik, um artista russo nascido na Ucrânia, nos tempos da ex-União Soviética. A informação é da revista de arte Artgid e foi reproduzida pelo jornal independente The Moscow Times.
Os investigadores estão analisando a obra intitulada “The Big Mother”, uma estatueta exibida na exposição Art Moscow, na capital russa. A peça central da instalação é a representação de uma mulher segurando uma espada.
Na visão de críticos pró-Kremlin, entre eles o escritor Zakhar Prilepin, o trabalho de Kulik pode ser interpretado como paródia a outra escultura da era soviética, a “Mãe Pátria”, um monumento erguido na cidade de Volgogrado.
‘The Big Mother’: escultura despertou desconfiança do Kremlin (Foto: Twitter/reprodução)
De acordo com a Artgid, a chefe do Comitê de Cultura da Duma do Estado, Elena Yampolskaya, enviou uma carta à Procuradoria-Geral, pedindo ao órgão para que investigasse o assunto. Após a denúncia, Oleg Kulik contou ao canal independente Dozhd que foi interrogado no Comitê de Investigação. Se for considerado culpado, o artista pode pegar até três anos de prisão.
Nascido em Kiev, Kulik, em atividade desde os anos 1980, é um dos artistas contemporâneos mais conhecidos da Rússia. Ele participou diversas vezes das principais bienais de arte contemporânea do mundo, realizou exposições individuais em Paris, Gante, Nápoles e outras cidades europeias.
No início da década de 1990, Kulik foi um dos mais famosos artistas performáticos do país, tendo ganhado notoriedade, em particular, pela performance ‘Mad Dog, or the Last Taboo Guarded by the Lonely Cerberus’ (“Cão Raivoso, ou o Último Tabu Guardado pelo Cérbero Solitário“, em tradução literal), em que se passou por um cão.
Por que isso importa?
Na Rússia, protestar contra o governo já não era uma tarefa fácil antes da eclosão da guerra na Ucrânia. Desde a invasão do país vizinho por tropas russas, no dia 24 de fevereiro, o desafio dos opositores do presidente Vladimir Putin aumentou consideravelmente, com novos mecanismos legais à disposição do Estado e o aumento da violência policial para silenciar os críticos.
Nos últimos anos, os protestos coletivos praticamente desapareceram das ruas da Rússia. Isso porque o governo passou a usar a pandemia de Covid-19 como argumento para punir grandes manifestações, sob a alegação de que o acúmulo de pessoas fere as normas sanitárias. Assim, tornou-se comum ver pessoas solitárias erguendo cartazes com frases contra o governo.
Dentro da severa legislação para controle das manifestações na Rússia, os detidos têm que pagar multas que chegam a 300 mil rublos (R$ 16,9 mil), com possível pena de prisão por até 30 dias. Já uma lei do início de março, com foco na guerra, pune quem “desacredita o uso das forças armadas”. A pena mais rigorosa é aplicada por divulgar “informações sabidamente falsas” sobre o exército e a “operação militar especial” na Ucrânia, que é como o governo descreve a guerra. A reclusão pode chegar a 15 anos.
Jovem russa exibe cartaz com a frase “não matarás” em protesto antiguerra (Foto: reprodução/Twitter)
Apesar dos riscos, muitos russos enfrentam a repressão e a possibilidade de serem presos e protestam de diversas maneiras para deixar clara sua oposição ao conflito.
Em Moscou, no dia 15 de março, ignorando todos esses riscos, uma mulher escolheu como ponto de protesto a Catedral do Cristo Salvador. Em um cartaz, reproduziu o sexto mandamento segundo a Igreja Ortodoxa: “Não matarás”. Outra mulher desafiou a censura e se posicionou em uma esquina próxima do Kremlin com um cartaz que dizia “Não à guerra”. Ambas foram retiradas por policiais e colocadas em um camburão menos de dez minutos depois de exibirem os cartazes.
Yevgenia Isayeva, uma artista e ativista da cidade russa de São Petesburgo, optou por um protesto mais gráfico no domingo passado (27). Com um vestido branco, ela se posicionou em frente à prefeitura da cidade e, então, despejou tinta vermelha sobre a roupa, enquanto dizia repetidamente: “Meu coração sangra, meu coração sangra…”. Também teve poucos minutos para se manifestar antes de ser retirada à força.
Há, ainda, os manifestantes que querem deixar sua mensagens sem expor a própria imagem. Casos dos grafiteiros que têm feito surgir nos muros de cidades russas mensagens antiguerra. Também no domingo passado (27), dois homens foram presos na cidade de Tula, no sul do país, acusados de grafitar mensagens como “Derrubem Putin” e “Parem Putin”.
A jornalista russa Marina Ovsyannikova, por sua vez, ficou conhecida mundialmente por interromper um noticiário na TV estatal russa Canal 1 (Piervy Kanal) para protestar contra a invasão da Ucrânia. No dia 14 de março, ela se postou repentinamente atrás da apresentadora de um telejornal com um cartaz escrito em russo e inglês que dizia “Não à guerra, não acredite na propaganda. Eles estão mentindo para você”. Ela ficou no ar durante vários segundos até que o canal a tirasse de cena.
No dia seguinte ao protesto, a Justiça russa condenou a jornalista a pagar também uma multa de 30 mil rublos (cerca de R$ 1,69 mil), justificando de se tratar de uma “tentativa de organizar um protesto não autorizado”. Ovsyannikova diz que pediu demissão e que não pretende sair do país, alegando ter recusado uma oferta de asilo da França. Em abril, ela foi contratada como correspondente freelancer do jornal alemão Die Welt.
Coletivamente, um jeito diferente de protestar tem sido através de mensagens escritas em cédulas e moedas de rublos. O fenômeno passou a ser compartilhado em plataformas como Twitter, Telegram e Reddit. As mensagens são normalmente escritas à mão, sendo as frases mais comuns “não à guerra” e “russos contra a guerra”.
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