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Auxílio Brasil de R$ 400 sem compensação financeira enfraquece regras fiscais, diz diretor-executivo da IFI

Para Daniel Couri, da Instituição Fiscal Independente, benefício permanente sem compensação pode até ter amparo jurídico, mas não é a melhor saída para a sustentabilidade das contas públicas. Nesta quarta-feira (4), o Senado Federal deve votar a Medida Provisória que garante o piso de R$ 400 mensais para o Auxílio Brasil – os deputados já aprovaram a MP no fim do mês passado.
Criado em 2021 para substituir o Bolsa Família, o Auxílio Brasil tinha um valor médio de R$ 224, segundo o ministério da Cidadania. O governo, no entanto, prometeu que o valor seria maior e editou uma MP para criar o benefício extraordinário e chegar aos R$ 400.
Se aprovado pelos senadores, o texto vai trazer um impacto permanente de cerca de R$ 40 bilhões anuais para o Orçamento, sem que haja nenhum tipo de compensação financeira – como, por exemplo, o corte de outros gastos ou o aumento de impostos, como exige a Lei de Responsabilidade Fiscal.
“Não teria tanto problema excluir esse gasto da regra de compensação apenas em 2022 ou em um período específico, porque aí é possível medir o impacto. Agora, quando você usa um tipo de justificativa para que o gasto permanente não tenha compensação, é claro que você enfraquece as regras fiscais”, afirma Daniel Couri, diretor Executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão atrelado ao Senado.
Daniel Couri, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente
Divulgação
O economista afirma que a proposta de emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios, promulgada no fim do ano passado para viabilizar esse Auxílio Brasil de R$ 400, gera uma interpretação dúbia sobre a necessidade ou não de compensação desse novo gasto.
“O que vem prevalecendo, sobretudo no âmbito do poder Executivo, é de que esse aumento não precisa ser compensado. Pode ser uma interpretação viável do ponto de vista jurídico, mas, do ponto de vista fiscal, não é a melhor”, afirma Couri.
O especialista em contas públicas também projeta uma pressão ainda maior no teto de gastos de 2023 e dos próximos anos, com os investimentos públicos sendo cada vez mais comprimidos. E alerta: tirar o Auxílio Brasil do teto seria mais uma “mácula” na regra, com consequências para a credibilidade fiscal do país.
Na semana passada, o g1 e GloboNews mostraram que os especialistas em políticas sociais dizem que apenas mais dinheiro não é suficiente para acabar com a pobreza. A avaliação é de que o Brasil pode até gastar menos no combate à miséria se conseguir focalizar melhor o benefício naqueles que mais precisam.
De Olho no Orçamento
Arte/g1
Confira abaixo os principais trechos da entrevista com o novo diretor-executivo da IFI. Couri assumiu o cargo no fim de abril, no lugar do economista Felipe Salto, que agora é secretário de Fazenda do Estado de São Paulo.
Como avalia a Medida Provisória que torna o Auxílio Brasil de R$ 400 permanente?
Esse é um assunto que mais cedo ou mais tarde iria aparecer. Hoje, o país paga um benefício total, somando o extraordinário, que alcança os R$ 400 por mês por família. E ele tem validade até 31 de dezembro deste ano. Era razoável imaginar que não haveria um recuo no valor, para R$ 215 ou R$ 220, que é o montante do auxílio normal, sem incluir parcela extraordinária. Seria uma redução muito grande da despesa e, politicamente, muito difícil de passar.
E como fica o impacto fiscal do programa se não houver compensação financeira?
A questão que se coloca é se esse impacto, de cerca de R$ 40 bilhões (do benefício extraordinário que pode se tornar permanente), deve ser compensado ou não. Aí entra a interpretação de um dispositivo que foi incluído na Constituição, fruto da PEC dos Precatórios. É um dispositivo que gera, sim, uma interpretação dúbia, mas o que vem prevalecendo, sobretudo no âmbito do poder Executivo, é que esse aumento não precisa ser compensado.
Pode ser uma interpretação viável do ponto de vista jurídico, mas, do ponto de vista fiscal, não é a melhor.
Não teria tanto problema excluir esse gasto da regra de compensação apenas em 2022 ou em um período específico, porque aí é possível medir o impacto. Agora, quando você usa um tipo de justificativa para que o gasto permanente não tenha compensação, é claro que você enfraquece as regras fiscais.
E mesmo que o governo não compense esse novo gasto, ele terá de achar espaço dentro do teto. Ou seja, outra despesa vai ter de abrir espaço para que o Executivo consiga encaixar tudo no teto de 2023 e dos anos seguintes.
Então esse auxílio permanente de R$ 400 poderia inviabilizar o cumprimento do teto de gastos já em 2023?
Para 2023, é possível que ainda seja viável (o cumprimento do teto de gastos). Ainda estamos fazendo as projeções. O certo é: (o Auxílio Brasil permanente) gera uma pressão muito grande sobre o teto.
Se não é inviável, é, no mínimo, uma situação de muita pressão. Pressão sobre quais gastos? Sobre investimento, custeio da máquina e em outras políticas públicas na área de saúde e educação.
Isso preocupa?
A gente tem convivido muito mal com esse tipo de pressão até o momento. Desde 2017, quando o teto começou a incidir sobre as despesas, sempre que surge um momento de pressão, o teto acaba sendo o elo mais fraco. A gente acaba mudando a regra. Então, não seria de se estranhar que, para o ano que vem, ou até mesmo para este ano, já comece a ser discutida uma mudança da regra.
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O Auxílio Brasil tem hoje um orçamento anual de quase R$ 90 bilhões. Excluir esse benefício do teto de gastos não seria o mesmo que acabar com a âncora fiscal do país?
Esse é um ponto importante. A regra não precisa ser revogada para dizer que acabou. Porque, se ela não tem mais credibilidade nenhuma ou se tudo quanto é despesa pode ser acomodado pela regra, ela perde a utilidade, ainda que ela esteja escrita na Constituição.
Então, seria mais um tipo de mácula na regra. E que claro que teria impacto sobre a credibilidade da política fiscal.
O governo avalia conceder um reajuste de 5% para os funcionários públicos do Executivo federal. Mais uma pressão pelo lado da despesa…
É natural que haja uma discussão sobre reajuste salarial, já que a maior parte das carreiras está com as remunerações defasadas. Essa pressão existe e é crescente.
Agora, há um ponto interessante nessa história, porque as carreiras, em geral, querem a recomposição da inflação. Mas eu lembro que o congelamento de salários em 2020 e 2021 fez parte de um esforço para se combater a pandemia e direcionar recursos para a saúde.
Vale lembrar que o servidor público já tem um privilégio na comparação com o setor privado, que é uma certa estabilidade no cargo. Então, a partir do momento que você quer a recomposição dessa inflação de 2020 e 2021, é como se você reduzisse ou eliminasse a contribuição que os servidores deram nesse período.
Todos os estados já concederam ou pretendem dar reajustes aos servidores públicos e muitos governadores justificaram esses aumentos pelo fato de a arrecadação estar alta. Existe o risco de eles estarem contratando uma crise fiscal no médio e longo prazos?
Seguramente alguns governadores estão. Tem de analisar caso a caso, mas, se para a concessão de reajuste há como fonte uma arrecadação que não é permanente, eles estão criando um problema para o futuro.
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A discussão que pode haver é se o ganho de arrecadação é estrutural. É possível que haja um ganho estrutural, mas certamente parte do desempenho das receitas em 2021 e 2022 é atribuída à inflação. É um mau motivo para se comemorar um ganho fiscal.
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No plano federal, o governo anunciou uma série de cortes de impostos. Mas como ficam as contas públicas no ano que vem, com a despesa obrigatória corrigida por uma inflação muito alta? Um novo governo corre o risco de ter de aumentar esses tributos para dar conta desses gastos maiores?
Certamente. Em geral, a inflação de um ano impacta as despesas do ano seguinte. Boa parte do gasto está ligado à Previdência e aos gastos sociais. Esses gastos são reajustados pelo INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) do ano anterior.
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Em 2023, pode-se ter uma situação em que, primeiro, a economia não esteja avançando como o esperado, então a arrecadação naturalmente pode não avançar como agora. E, por outro lado, pode-se ter uma despesa crescendo mais do que se previa.
Em 2022, o governo tem espaço dentro da sua meta de resultado primário para fazer medidas do lado da receita. Agora, para 2023, pode ser que o governo tenha de reverter parte dessas medidas. E sempre há um custo político muito grande associado à reversão de qualquer subsídio tributário concedido.
E, nesse cenário, com teto e despesas pressionados, como ficam os investimentos públicos?
O investimento público está em um patamar extremamente baixo, que não dá conta nem de compensar a depreciação do patrimônio. É como se a gente tivesse um investimento negativo. O que a gente investe não consegue nem compensar essa depreciação. É uma realidade dos últimos anos. Para 2023, o cenário, até do governo, por meio do projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), está mostrando um nível de gastos discricionários – que é onde se encaixam esses investimentos – muito baixo.
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É claro que a gente sempre espera uma complementariedade do investimento privado, mas temos um déficit muito grande em infraestrutura. É inimaginável resolver o nosso problema só com investimento privado.
Falando em investimentos, nos últimos anos houve um crescimento muito grande das emendas parlamentares. Como você avalia esse movimento, que tem sido puxado pelas emendas de relator, aquelas ligadas ao chamado orçamento secreto?
Há, pelo menos, dois aspectos a serem considerados na questão das emendas. O primeiro é a transparência. É natural que o Poder Legislativo participe da decisão do Orçamento, e ele vem ganhando relevância nos últimos anos. Mas é necessário que a sociedade saiba onde estão sendo gastos os recursos direcionados, se estão indo para investimentos novos, investimentos em andamento, se estão seguindo algum tipo de priorização do gasto.
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E aí eu entro num segundo fator. O que está acontecendo é uma fragmentação da decisão do Orçamento. Há uma fragmentação do poder decisório, não há uma orientação estratégica em cima daquilo que é gasto. Há uma concentração de um volume muito grande de recursos na mão de um parlamentar, que é o relator do Orçamento. Do ponto de vista econômico, não é bom que haja essa fragmentação.
Há dois problemas, portanto: um é garantir que haja transparência e o outro é garantir que haja algum tipo de estratégia na aplicação desses recursos. Não é o que está acontecendo.
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