Espanha debate licença menstrual: progresso social ou estigma da mulher?
Governo espanhol aprovou na terça-feira (17) projeto prevendo que mulheres com menstruação severa possam se ausentar do trabalho até três dias por mês; ministras do país e população divergem sobre medida, que irá ao Parlamento. Manifestantes pró-aborto fazem protesto em Madri, na Espanha, a favor da reforma que permitirá licença menstrual de três dias e amplia acesso à interrupção voluntária da gravidez
Susana Vera/ Reuters
Poucos projetos de lei na Espanha provocam tanto debate quanto o que contempla licença médica para mulheres que sofrem mensalmente com uma menstruação dolorosa. A proposta divide membros do governo de coalizão liderado pelos socialistas e do qual fazem parte representantes da esquerda emergente (Unidas Podemos).
Embora todos no governo concordem que as mulheres mais afetadas pela menstruação não estão em condições de trabalhar e devem receber licença médica, há divergências sobre se é apropriado ou não promulgar uma lei específica que, em teoria, beneficiaria as mulheres, mas que, na prática, pode dificultar seu emprego e prejudicá-las no mercado de trabalho.
A medida promovida pela ministra da Igualdade espanhola, Irene Montero, do partido Unidas Podemos, busca permitir que mulheres com menstruação severa (dismenorreia) possam pedir licença médica para se recuperar em casa sem ter os dias descontados.
Os que defendem esta iniciativa alegam que não se trata de um ligeiro desconforto, mas sim de sintomas graves como diarreia, dores de cabeça e febre, sintomas que gerariam licenças médicas se forem causadas por uma doença.
Manifestantes contrárias ao aborto fazem protesto contra a reforma em ruas de Madri no sábado
Susana Vera/ Reuters
No entanto, a ministra da Economia e primeira vice-presidente, Nadia Calviño, sustenta que os instrumentos legislativos existentes na Espanha já permitem que os médicos emitam essa licença médica devido a menstruações especialmente dolorosas, de modo que o regulamento poderia contribuir para a estigmar das mulheres.
Os sindicatos também discordam da possibilidade de regular as licenças médicas por doenças menstruais por lei.
“Lutamos há décadas para que a menstruação não seja considerada uma doença”.
Polêmica nas ruas
Fora da discussão parlamentar, o assunto causa divergência na opinião pública.
“Não concordo com a lei. No feminismo, lutamos há décadas para que a menstruação não seja considerada como uma doença que nos impeça de tomar banho (de mar ou piscina), praticar esportes ou que nos desqualifique para o exercício de determinadas profissões. Uma mulher com dores menstruais intensas nunca teve problemas em justificar sua ausência do trabalho com seu médico”, disse uma professora de uma escola pública de Madri à RFI.
“Generalizar essas licenças é voltar ao conceito de doença, generalizar um transtorno que é excepcional. Acho que também significaria um limite à contratação de mulheres em idade fértil”, acrescenta a docente.
Já uma enfermeira ouvida pela rádio se mostrou favorável à medida.
“Quando eu era mais jovem, tive que faltar às aulas na universidade por causa de fortes dores que sentia durante a menstruação. Então me parece bom a regulamentação desse tipo de licença médica, para que não haja problema na hora de acessá-la”, argumentou.
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Apesar da discordância de vários membros do governo presidido por Pedro Sánchez, a medida foi aprovada na terça-feira (17) pelo conselho de ministros do país, e seguirá para o Parlamento.
O projeto de lei pode ser alterado para aparar arestas dentro do Executivo e garantir que não haja ministros claramente perdedores. Algumas fórmulas conciliatórias para reforçar a proteção da saúde das mulheres garantindo sua plena participação no mercado de trabalho estariam em negociação.
A aprovação do projeto de lei favorecerá uma das correntes mais combativas do feminismo espanhol, que tem em Irene Montero seu rosto mais visível.g1 > MundoRead More