Por que a Colômbia nunca teve um governo de esquerda? E por que isso pode mudar neste ano?
Candidato mais bem colocado nas pesquisas foi membro de um grupo guerrilheiro e pode se tornar o primeiro presidente de esquerda da Colômbia. O candidato Gustavo Petro em campanha para as presidenciais em Barranquilla, na Colômbia
Jairo Cassiani/Reuters
Quase todos os países da América Latina já tiveram pelo menos um governo de esquerda. É o caso do Brasil, Chile, Argentina, Venezuela etc.
Na Colômbia, a esquerda nunca conseguiu eleger um líder. Isso, no entanto, pode mudar.
Há eleições marcadas para o dia 29 de maio, e o favorito nas pesquisas até o momento é Gustavo Petro. Ele aparece com pouco menos de 40% das intenções de voto.
O segundo candidato mais bem colocado, o conservador Federico ‘Fico’ Gutierrez, tem menos de 25%.
Para vencer no primeiro turno, é preciso ter mais de metade dos votos.
Candidato presidencial colombiano Federico Gutiérrez durante ato de campanha em Bogotá
Luisa Gonzalez/REUTERS
Na história do país já houve partidos comunistas e trabalhistas, mas, se vencer, Petro, que aos 17 anos ingressou em um grupo de guerrilha, será o primeiro esquerdista eleito.
De acordo com os acadêmicos, a esquerda colombiana não conseguiu liderar o país em nenhum momento até hoje por dois motivos principais:
Alguns candidatos de esquerda foram assassinados por grupos paramilitares;
A desvirtuação de alguns grupos guerrilheiros fez com que a esquerda perdesse simpatia entre parte da sociedade colombiana.
‘La Violencia’
Durante o século 20, o poder na Colômbia foi disputado por dois grupos, o Partido Conservador e o Partido Liberal. A disputa foi se tornando mais agressiva e, no fim da década de 1940, escambou para uma guerra civil —o candidato do Partido Liberal foi assassinado em 1948; em resposta, houve uma revolta em Bogotá que terminou com milhares de mortos.
O período é conhecido na história da Colômbia como La Violencia. A guerra civil durou dez anos, acabou em 1958. É o mesmo ano em que transcorre outro fenômeno importante na história política da América Latina: a Revolução Cubana (concretizada em 1959).
“Na década de 1960, inspirados pela Revolução Cubana, houve focos guerrilheiros de inspiração marxista-leninista, de inspiração guevarista (derivação de Che Guevara) na Colômbia. Os focos mais importantes e mais duradouros fizeram com que a Colômbia atravessasse uma situação dramática do ponto de vista de segurança interna”, diz o professor Felipe Loureiro, do Instituto de Relações Internacionais da USP.
Isso foi usado politicamente por segmentos políticos mais conservadores e linhas ideologicamente mais à direita do espectro político, que passaram a usar o discurso da lei e da ordem, que ganhou força e capilaridade nesse momento.
Políticos de partidos de esquerda, como o trabalhista e o comunista, foram eleitos para o Legislativo pela primeira vez na década de 1970.
Paramilitares entram em cena
Políticos de esquerda conseguiram algum destaque nas décadas seguintes, notavelmente, na eleição presidencial de 1990, mas todos foram assassinados antes do dia da votação, diz Alex Fattal, professor da Universidade da Califórnia em San Diego e um acadêmico que estuda a Colômbia.
“Em uma perspectiva histórica, o que será algo sem precedentes será se Petro viver para votar nas eleições. Essas eleições são, no fim, sobre a democracia colombiana e se todas as vozes e perspectivas podem competir em praça pública sem serem violentamente apagadas”, diz ele.
As mortes às quais Fattal se refere são atribuídas aos grupos paramilitares. Eles são apontados por assassinatos de candidatos como Jaime Pardo Leal e Bernardo Jaramillo, e também líderes políticos, como Carlos Pizarro Leongómez (que foi chefe do M-19, o mesmo grupo ao qual pertenceu Gustavo Petro).
A guerrilha comete crimes
Para se financiar e se manter viável, os focos guerrilheiros que tiveram suas origens nos anos 1960 participaram de atividades econômicas ilícitas, diz Loureiro, da USP.
O grupo de guerrilheiros mais conhecido do país, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) entrou em conflito com o governo nos anos 1960, quando se rebelou e prometeu que iria apoiar os pobres de áreas rurais.
Ao longo dos anos, o grupo começou a recorrer a crimes para se financiar —o tráfico de cocaína foi uma dessas formas. Em 2007, Michael Braun, diretor do Departamento Antidrogas dos EUA disse que as Farc chegavam a faturar US$ 1 bilhão por ano com o tráfico de cocaína.
Essa não foi a única atividade que o grupo realizou: as Farc também fizeram sequestros —uma das vítimas, Ingrid Betancourt, ficou sob controle do grupo por mais de 6 anos e chegou a ser uma das candidatas à presidência este ano, mas desistiu de disputar.
O cidadão colombiano comum muitas vezes constrói uma percepção equivocada de que o tráfico de drogas estaria relacionado não à guerrilha, mas à esquerda como um todo, segundo o professor Loureiro, da USP.
As Farc se tornaram um partido em 2017, após a assinatura dos acordos de paz promovidos pelo então presidente Juan Manuel Santos, em 2016.
Em 2020, o grupo mudou de nome, e hoje o partido se chama Comunes.
A ADM-19, o grupo político derivado da guerrilha M-19 e o partido de Petro, renunciou à luta armada na década de 1980, e participa da política institucional desde 1990.
Candidato de esquerda à Presidência da Colômbia, Gustavo Petro, durante campanha em 2022
REUTERS/Luisa Gonzalezg1 > MundoRead More