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Ucrânia reprime ‘traidores’ que ajudam tropas russas

Um ‘registro de colaboradores’ está sendo reunido e será divulgado ao público. Sob a lei marcial, as autoridades baniram 11 partidos políticos pró-Rússia, incluindo o maior deles, que tinha 25 cadeiras entre os 450 membros do parlamento. Ucrânia caça ‘traidores’ que ajudam a Rússia
Viktor parecia nervoso quando agentes de segurança ucranianos, mascarados e com trajes antimotim completos, camuflagem e armas entraram em seu apartamento desordenado na cidade de Kharkiv, no norte do país. Suas mãos tremiam e ele tentava cobrir o rosto.
O homem de meia idade chamou a atenção do Serviço de Segurança da Ucrânia, SBU, por postagens em redes sociais que, segundo as autoridades, elogiavam o presidente russo Vladimir Putin por “combater os nazistas”, encorajavam as regiões a se separarem e denominavam a bandeira nacional “um símbolo da morte”.
Agentes do serviço de segurança da Ucrânia na escada de um homem acusado de ser colaboracionista em 18 de abril de 2022
Felipe Dana/AP
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“Sim, eu apoiei muito (a invasão russa na Ucrânia). Sinto muito. Eu já mudei de ideia”, disse Viktor, a voz trêmula dando claros sinais de coação na presença dos agentes de segurança ucranianos.
“Pegue as suas coisas e vista-se”, disse um policial, antes de escoltá-lo para fora do apartamento. O SBU não revelou o sobrenome de Viktor, alegando a investigação em curso.
Agentes do serviço de segurança da Ucrânia em um prédio na cidade de Kharkiv, em 18 de abril de 2022
Felipe Dana/AP
Leis anticolaboração
Viktor estava entre as 400 pessoas, aproximadamente, apenas na região de Kharkiv, que foram detidas em razão das leis anticolaboração aprovadas com rapidez pelo parlamento ucraniano e sancionadas pelo presidente Volodymyr Zelensky após a invasão russa em 24 de fevereiro.
Buscas por um homem acusado de colaboracionismo com a Rússia em um prédio em Kharkiv, na Ucrânia, em 18 de abri de 2022
Felipe Dana
Os infratores podem ser punidos com até 15 anos de prisão por colaborar com as forças russas, negar publicamente a agressão russa ou apoiar Moscou. Qualquer pessoa cujas ações resultem em morte pode enfrentar pena de prisão perpétua.
“A responsabilidade pela colaboração é inevitável, só resta saber se vai acontecer amanhã ou depois de amanhã”, diz Zelensky. “O mais importante é que a justiça será inevitavelmente feita.”
Homem suspeito de ser um colaborador das forças russas preso na Ucrânia, em 18 de abril de 2022
Felipe Dana/AP
Embora o governo de Zelensky tenha amplo apoio, mesmo entre muitos falantes de russo, nem todos os ucranianos se opõem à invasão. O apoio a Moscou é mais comum entre alguns residentes falantes de russo da região industrial de Donbass, no leste do país. Um conflito local entre separatistas apoiados por Moscou e forças do governo ucraniano já matou mais de 14 mil pessoas antes mesmo da invasão deste ano.
Empresários, militares e autoridades civis e do governo estão entre as pessoas que se bandearam para o lado da Rússia, e o Departamento de Investigações do Estado da Ucrânia diz que mais de 200 processos criminais sobre colaboração já foram abertos. Zelensky já chegou a destituir dois generais do SBU de suas patentes, acusados de traição.
Agente de serviço de segurança da Ucrânia conversa com mulher durante uma busca em Kharkiv, em 18 de abril de 2022
Felipe Dana/AP
Um “registro de colaboradores” está sendo reunido e será divulgado ao público, segundo Oleksiy Danilov, chefe do Conselho de Segurança da Ucrânia. Ele se recusou a informar quantas pessoas foram alvo de buscas em todo o país.
Sob a lei marcial, as autoridades baniram 11 partidos políticos pró-Rússia, incluindo o maior deles, que tinha 25 cadeiras entre os 450 membros do parlamento – a Plataforma de Oposição pela Vida, fundada por Viktor Medvedchuk, um oligarca preso que tem estreitos laços com Putin.
Mulher vê agentes de segurança na frente de seu apartamento em Kharkiv, na Ucrânia, em 18 de abril de 2022
Felipe Dana/AP
As autoridades dizem que os ativistas pró-Rússia no sudeste da Ucrânia, palco do combate ativo, estão agindo como sinalizadores para bombardeio direto.
“Um dos nossos principais objetivos é que ninguém apunhale nossas forças armadas pelas costas”, diz Roman Dudin, chefe do escritório do SBU em Kharkiv, em uma entrevista dada à agência de notícias The Associated Press. Ele conversou com a AP em um porão escuro para onde o SBU transferiu as operações depois que seu prédio no centro de Kharkiv foi bombardeado.
Homem é detido por suspeita de ser colaborador das forças russas na Ucrânia, em 18 de abril de 2022
Felipe Dana/AP
O escritório de Kharkiv vem prendendo pessoas que apoiam a invasão, pedem a secessão e acusam as forças ucranianas de estarem bombardeando as cidades por conta própria.
Acusações de colaboração com o inimigo trazem uma forte carga histórica na Ucrânia. Durante a Segunda Guerra Mundial, algumas pessoas da região ofereceram acolhimento e até cooperação às forças invasoras da Alemanha nazista, depois de anos de repressão stalinista que incluiu o “Holodomor” – um período de fome de causas artificiais que se acredita ter matado mais de 3 milhões de ucranianos. Depois disso, durante muitos anos as autoridades soviéticas alegaram a cooperação de alguns nacionalistas ucranianos com os nazistas como motivo para demonizar as atuais lideranças democraticamente eleitas da Ucrânia.
Defensores de direitos humanos têm ciência de “dezenas” de prisões de ativistas pró-Rússia só em Kiev, desde a aprovação das novas leis, mas quantos foram alvo em todo o país ainda não se sabe, diz Volodymyr Yavorskyy, coordenador do Centro de Liberdades Civis, um dos maiores grupos de defesa de direitos humanos na Ucrânia.
Agente ucraniano em prédio de suspeito na cidade de Kharkiv, em 18 de abril de 2022
Felipe Dana/AP
“Não existem dados completos para o país (inteiro), uma vez que tudo é considerado sigiloso pelo SBU”, disse Yavorskyy à AP.
“As autoridades ucranianas estão empregando ativamente as práticas dos países ocidentais, em especial do Reino Unido, que impôs duras restrições às liberdades civis durante a guerra na Irlanda do Norte. Algumas dessas restrições foram consideradas injustificadas pelos defensores de direitos humanos, mas outras foram justificadas, quando vidas foram colocadas em risco”, explica.
Agente de segurança durante busca a suspeito em Kharkiv, na Ucrânia, em 18 de abril de 2022
Felipe Dana/AP
Na Ucrânia, uma pessoa pode ficar presa por até 30 dias sem mandado judicial, conta ele, e a legislação antiterrorismo na vigência da lei marcial permite que as autoridades não informem os advogados de defesa sobre a prisão preventiva de seus clientes.
“Essas pessoas de fato desaparecem, e por 30 dias não se tem acesso a elas”, conta Yavorskky. “Na realidade, (a polícia) tem poder para levar qualquer um.”
O governo conhece as implicações de prender pessoas por suas opiniões, inclusive o risco de corroborar a acusação de Moscou de que Kiev está reprimindo os falantes de russo. Mas em tempos de guerra, segundo as autoridades, a liberdade de expressão é apenas uma parte do problema.
Homem é detido em Kharkiv, na Ucrânia, em 18 de abril de 2022
Felipe Dana/AP
“O debate sobre o equilíbrio entre a segurança nacional e a garantia da liberdade de expressão é interminável”, disse à AP o ministro das Relações Exteriores, Dmytro Kuleba.
Ravina Shamdasani, porta-voz do escritório de direitos humanos da ONU, disse que sua agência documentou “casos de prisões e detenções supostamente feitas por autoridades policiais ucranianas, que podem envolver elementos de violação aos direitos humanos” e que está acompanhando junto ao governo ucraniano.
Ela informou que a agência está analisando oito casos que “aparentam ser de desaparecimento de pessoas consideradas ‘pró-Rússia’, e documentamos dois casos de execuções ilegais de pessoas ‘pró-Rússia’”, juntamente com casos de justiçamento, em que policiais ou outros punem os suspeitos de serem pró-Rússia.
Agente de serviço de segurança da Ucrânia em Kharkiv, em 18 de abril de 2022
Felipe Dana/AP
Na cidade de Bucha, atualmente um símbolo da terrível violência da guerra, o prefeito Anatoly Fedoruk declarou que os colaboradores informaram às tropas invasoras os nomes e endereços de ativistas e autoridades pró-ucranianas na cidade nos arredores de Kiev, onde centenas de civis foram executados a tiros com as mãos amarradas nas costas ou tiveram seus corpos queimados pelas forças russas.
“Eu vi essas listas de execução, ditadas pelos traidores– os russos sabiam de antemão atrás de quem eles iriam, em que endereços, e quem morava lá”, diz Fedoruk, que viu seu próprio nome em uma das listas. ”É claro que as autoridades ucranianas vão procurar e punir essas pessoas.”
Policiais ucranianos revistam suspeito em Kiev, durante a invasão russa na Ucrânia.
REUTERS/Umit Bektas TPX IMAGES OF THE DAY
Na sitiada cidade portuária de Mariupol, autoridades acusaram os colaboradores de ajudarem os russos a cortar eletricidade, água corrente, gás e comunicações em boa parte da cidade.
“Agora entendo perfeitamente por que os russos estavam realizando ataques tão precisos e coordenados contra objetos de infraestrutura crítica, sabiam tudo sobre os locais e horários de partida dos ônibus ucranianos de evacuação de refugiados”, diz o prefeito Vadym Boychenko.
Os analistas políticos dizem que a invasão e a violência das tropas russas contra os civis afastaram muitos simpatizantes de Moscou. Ainda assim, restam muitos apoiadores.
“A propaganda russa criou raízes muito profundas, e muitos moradores do leste, que assistem canais russos de TV, acreditam em acusações absurdas de que são os ucranianos que os estão bombardeando e outros mitos”, explicou à AP Volodymyr Fesenko, do centro de estudos Penta Center. “Naturalmente, as autoridades ucranianas no sudeste estão com medo de serem apunhaladas pelas costas e estão sendo obrigadas a reforçar as medidas de segurança.”
Ao contrário de Viktor, cujo apartamento em Kharkiv foi invadido, Volodymyr Radnenko, de 86 anos, não pareceu surpreso quando a segurança ucraniana chegou para vasculhar seu apartamento no sábado após deter seu filho, Ihor. Os militares disseram que o filho era suspeito de ajudar os russos no bombardeio da cidade – como o que aconteceu no bairro de Radnenko cerca de 15 minutos antes da chegada dos policiais, em meio ao cheiro de fumaça que ainda persistia. Na região, pelo menos duas pessoas foram mortas e 19 ficaram feridas.
“Ele está acostumado a pensar que a Rússia é tudo que existe”, disse Radnenko à AP depois que os policiais foram embora. “Eu pergunto a ele: ‘Então quem está bombardeando a gente? Não são as nossas (pessoas), são os seus fascistas.’ E ele fica muito bravo com isso.”
Karmanau escreve de Lviv, Ucrânia. Contribuíram Vasilisa Stepanenko em Kharkiv e Jamey Keaten em Genebra.
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