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‘Inclusão ou marketing?’: o que houve de melhora com as políticas afirmativas para profissionais LGBTQIA+

Pesquisa exclusiva mostra que a percepção da comunidade é de que ainda há barreiras para entrar e ‘preconceito velado’ que impede de crescer no mercado de trabalho. Entre os membros da comunidade LGBTQIA+ entrevistados por pesquisa, 57,6% afirmam que as iniciativas de diversidade e inclusão lhes parecem apenas “discurso de marketing”
Letícia Paris/g1
Quando o assunto no mundo corporativo é Diversidade e Inclusão (D&I), vale o antigo provérbio: “não basta ser honesto, é preciso parecer honesto”.
A Gerdau era uma das principais patrocinadoras do Minas Tênis Clube quando o central Maurício Souza, jogador da equipe e da seleção brasileira de vôlei, ofendeu a toda a comunidade LGBTQIA+ com um post homofóbico nas redes sociais, que taxava como “anormal” um personagem bissexual.
O resultado é conhecido: Souza foi demitido a pedido dos patrocinadores, mas amealhou milhões de seguidores em suas redes sociais, e deve disputar as eleições com apoio do presidente Jair Bolsonaro (PL).
“A decisão foi muito tranquila para a nossa liderança. Promover um ambiente diverso e inclusivo é um dos nossos princípios e está conectado com um processo de transformação de cultura da empresa. Foi a mesma ação que tomaríamos no dia a dia”, afirma Carla Fabiana Daniel, líder global de Diversidade e Inclusão da Gerdau.
Na maior prova de fogo das políticas de inclusão, a resposta rápida e incisiva de Gerdau e Fiat — a montadora também patrocinava o Minas — é o reforço de ambiente inclusivo que funcionários LGBTQIA+ esperam de seus empregadores.
É o que mostra uma pesquisa da plataforma de RH Infojobs, cedida com exclusividade ao g1. Os dados evidenciam que há uma preocupação entre os profissionais com a transparência das iniciativas inclusivas e com a distância entre discurso e ação.
Mas alguns números são alarmantes. Entre os membros da comunidade LGBTQIA+ entrevistados na sondagem, 57,6% afirmam que as iniciativas de diversidade e inclusão lhes parecem apenas “discurso de marketing”. Apenas 7,6% acreditam exclusivamente na motivação genuína das empresas.
Ana Paula Prado, CEO do Infojobs
Divulgação
Além disso, 67,3% dos entrevistados dizem que já sofreram algum tipo de preconceito durante os processos seletivos por conta de sua identidade de gênero ou orientação sexual.
E pior: quase 95% acreditam que exista “preconceitos velados” dentro da empresa que atuam como barreiras para o crescimento profissional.
“As empresas estão falando mais sobre o assunto, mas o colaborador está entendendo a importância dada à diversidade? Isso está fazendo parte do dia a dia dele? A empresa precisa agir com transparência”, diz Ana Paula Prado, CEO do Infojobs.
Diversidade & Inclusão, ou D&I
O conceito de promover diversidade dentro das empresas não é novo, mas ganhou potência com o arranque dos conceitos ESG (sigla em inglês para “Ambiental, Social e Governança”) na pauta corporativa. Houve uma explosão de novos departamentos de D&I nas principais empresas do mundo.
A consultoria Mais Diversidade ressalta que boa parte das empresas brasileiras ainda não tem áreas de diversidade bem estruturadas. E há diferenças claras, também, entre empresas do setor público, de grande porte, pequenas e médias empresas.
O relatório “O cenário brasileiro LGBTI+”, também da Mais Diversidade, mostra que os funcionários públicos são os mais insatisfeitos com políticas atuais de inclusão no trabalho (nota 4,34 de 10), seguido do terceiro setor (5,52) e PMEs (6,06).
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Além das grandes empresas trazerem mais satisfação com as ações inclusivas (7,46), também dominam a empregabilidade, já que seus profissionais formam 56% da amostragem da pesquisa.
Ou seja: não só as políticas afirmativas ajudam a captar talentos, como são diferenciais na hora de permanecer no emprego. O relatório diz que o fator apontado como mais importante para a comunidade LGBTQIA+ no contexto do trabalho é justamente o ambiente inclusivo, com 74% das respostas.
Para Ricardo Sales, CEO da Mais Diversidade, os dados são um demonstrativo de que as conquistas não chegaram para todos dentro da própria comunidade, mas sobretudo para gays e lésbicas com a escolaridade mais elevada e que trabalham nas grandes empresas.
“Isso tem seu mérito, mas mostra que temos mais a fazer. Houve, por exemplo, muito avanço na ‘segurança psicológica’ — que é garantir que todos possam ser quem são —, mas ainda há um bom caminho a percorrer para a população trans”, diz Sales.
O especialista lembra ainda, que, ao mesmo tempo que houve evolução na percepção de importância da inclusão de LGBTQIA+ por parte das grandes empresas, elas ainda empregam uma parcela menor da população. A maior parte dos postos de trabalho no Brasil está nas mãos de pequenas e médias empresas.
“São empregadores que ainda não estão em contato com essa agenda. É o nosso próximo ‘ponto de fronteira’: fazer o assunto chegar nas organizações fora do Eixo Rio-São Paulo, de portes mais variados”, afirma.
Ricardo Sales, CEO da Mais Diversidade
Divulgação
Um estudo recente do Instituto Ethos, feito com 169 empresas brasileiras, dá um termômetro de quais iniciativas de D&I estão mais desenvolvidas e quais não estão. Mesmo entre grandes potências do mundo corporativo, ações voltadas para a população trans ainda ficam bastante aquém das demais.
Cerca de 92% das empresas autorizam o uso de nome social de pessoas trans. Mas apenas 14% têm metas de recrutamento e seleção específicos para elas. Já eventos comemorativos nas datas relacionadas aos direitos LGBTI+ foram realizados por 79% das companhias.
Segundo Ana Lúcia Melo, diretora-adjunta do Instituto Ethos, isso acontece porque a orientação sexual, de alguma maneira, se incorpora na dinâmica das empresas. Apesar de ter sido pautada depois de questões raciais e de PCDs, avança mais rápido do que acontece com a questão de gênero da população trans.
“O entrave cultural é muito desafiador, é uma questão moralista. E o desafio é desfazer essa visão excludente que coloca um grupo da sociedade como marginal”, diz Ana Lúcia.
Por onde começar?
De volta à pesquisa do Infojobs, 82% dos entrevistados disseram que nunca trabalharam em empresas com programas específicos para contratação de profissionais LGBTQIA+ ou desenvolvimento da equipe para inclusão.
Um caminho de melhora, segundo as respostas, é o uso de tecnologia. Pela pesquisa, 93% dos entrevistados acreditam que a tecnologia pode auxiliar na promoção de processos seletivos mais inclusivos.
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As iniciativas nesse sentido ainda são poucas. A TIM Brasil, por exemplo, lançará no próximo dia 28 um aplicativo com conteúdo gratuito sobre impacto social, direito e saúde, assinado por especialistas, além de um buscador de vagas de emprego em empresas de todo o Brasil que apoiem a causa, gerenciado pelo site TransEmpregos.
“O acesso à tecnologia voltada para a inclusão pode ser uma grande aliada nos processos seletivos, atingindo mais pessoas, eliminando vieses inconscientes com o uso de entrevistas a cegas, por exemplo, eliminado qualquer tipo de preconceito”, diz Alan Kido, gerente sênior de Diversidade e Inclusão da TIM Brasil.
Mas, em geral, reina a falta de preparo. Um outro estudo, da consultoria Santo Caos mostra que 65% dos profissionais LGBTQIA+ já sofreram discriminação no ambiente de trabalho. Para pessoas bissexuais e trans, o índice sobe para 72% e 86%, respectivamente.
Resultado da discriminação é que a renda desses trabalhadores é mais baixa e a rotatividade no emprego é maior. Segundo o estudo, 47% dos trabalhadores da comunidade têm renda média abaixo de quatro salários mínimos. Entre heterossexuais, são 36%.
Sobre o tempo de trabalho, os LGBTQIA+ ficam, em média, 3,07 anos em uma empresa, contra uma média de 4,13 anos dos demais.
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Para Jean Soldatelli, sócio da Santo Caos, os dados mostram que membros da comunidade são contratações mais recentes e têm menor retenção no emprego. Apesar do esforço, portanto, há avanços a fazer no processo seletivo e no acompanhamento dos profissionais.
“Mas a principal melhoria precisa ser no ambiente de trabalho. Ele é muito mais agressivo e com maior impacto na saúde emocional para LGBTs do que para quem não pertence à comunidade”, afirma.
Isso fica evidente na pesquisa da Santo Caos pela diferença de respostas sobre recomendar a própria empresa para outras pessoas. Dentro do público geral, 74% recomendariam. Entre membros da comunidade, 61%.
Além disso, do público geral são 52% os que acreditam que a empresa valoriza a diversidade de fato. Entre os LGBTQIA+, 41%. “Há, ainda, uma criticidade grande da comunidade sobre a efetividade das ações: só 21% considera as ações de diversidade ‘muito efetivas’”, diz Soldatelli.
Mostrar efetividade é a batalha da mesma Gerdau que foi obrigada a mostrar assertividade no caso Maurício Souza. Uma siderúrgica tradicional, dominada pela presença masculina, a empresa inaugurou sua área de D&I em 2019, com números bem aquém do ideal: em 2017, apenas 12% eram mulheres.
De lá para cá, formatou metas para mulheres e negros no quadro de funcionários e lideranças. Por enquanto, monitora a quantidade de profisionais LGBTQIA+ em sondagens periódicas e promove ações de melhor de clima e inclusão.
Há pouco mais de 1 ano, a Gerdau passou a incentivar parte de seus fornecedores uma ampliação de diversidade entre os contratados, espalhando a política inclusiva para pequenas e médias empresas — como especialistas recomendam.
Como contrapartida, a empresa desenvolveu uma trilha de conteúdo para auxiliar o desenho de políticas para os parceiros. No futuro, diz a empresa, os contratos podem ser decididos com influência dos resultados de inclusão.
“Internamente, nossa parcela de contribuição era limitada. São oito compromissos, que vão de Censo até manuais de implementação de práticas de diversidade para melhorar contratações. São mais de 200 empresas que assinaram”, diz Carla Fabiana Daniel, da Gerdau.
Ambiente acolhedor
A história de Danielle Torres exemplifica com perfeição o potencial de crescimento pessoal e profissional de um ambiente acolhedor. Mulher trans, tornou-se a primeira sócia-diretora da consultoria KPMG e atua na área de práticas profissionais.
Mas foi por pouco que não se demitiu. Danielle havia procurado a empresa em busca de sucesso profissional e para se desvencilhar do preconceito que sempre sofreu. Ao longo da vida, disseram que era “feminina demais” e que precisava se “comportar de outra maneira”.
“Para mim, era uma questão de respeito, porque sempre fui desrespeitada. Então, imaginei que uma carreira executiva me daria o ‘masculino’, a independência”, diz ela.
Danielle Torres, sócia-diretora de Práticas Profissionais na KPMG no Brasil
Alex Silva
Depois de três anos, percebeu que a preocupação em esconder sua personalidade para se enquadrar ao padrão imposto estava fazendo mal. Passou a ter síndrome do pânico e decidiu deixar a empresa.
Seu gestor, único sócio gay do quadro da companhia, soube contornar a situação e dar conforto ao momento de transição. Comunicou à equipe e pediu auxílio no acolhimento. Aos 39, ela se tornou a primeira pessoa trans da alta liderança da KPMG.
“Acolher a pessoa trans vai muito além do mundo corporativo. É evitar a evasão escolar, a expulsão de casa, o assédio físico, verbal e psicológico. Só 0,6% das pessoas trans estão na universidade. Como fazer essa inclusão se mais que 90% está marginalizada, na prostituição, sem escolha?”, diz.g1 > EconomiaRead More

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