Existência do Wagner Group deixa de ser segredo na Rússia, que tem até campanha para recrutar novos membros
Extraoficialmente, o Wagner Group é uma organização paramilitar russa que coloca mercenários em ação a serviço do Kremlin em conflitos ao redor do mundo. Oficialmente, o grupo sequer existe. Ao menos era assim até o início da guerra na Ucrânia. As inesperadas dificuldades enfrentadas para derrotar as tropas ucranianas levaram Moscou a buscar reforços, e o Wagner surgiu como alternativa. A ponto de ter seu nome citado na TV estatal da Rússia e de ter criado uma campanha para recrutar novos membros em todo o país, de acordo com o jornal The Washington Post.
O nome do Wagner Group remete ao pseudônimo de seu fundador, Dmitriy ‘Wagner’ Valeryevich Utkin, que por sua vez tomou como referência o compositor alemão favorito de Hitler e um dos símbolos da Alemanha nazista. O financiamento, privado, é uma incumbência do magnata do setor gastronômico Yevgeny Prigozhin, conhecido como “chef de Putin” devido a seus muitos contratos de fornecimento de refeições ao governo.
Combatentes do Wagner Group, organização paramilitar russa (Foto: reprodução/VK)
Heróis nacionais
O histórico de abusos dos direitos humanos da milícia, que participou de lutas armadas na Líbia, Síria, República Centro-Africana e Moçambique, entre outros, sempre forçou o Kremlin a negar qualquer relação com o grupo. Sequer era admitida a existência dele, embora tenha sido crucial na manutenção do poder de grupos separatistas pró-Moscou no leste da Ucrânia desde 2014. A guerra atual, iniciada em 24 de fevereiro, tem mudado esse cenário, a ponto de o grupo ter sido citado nominalmente na TV estatal russa.
“Este local foi libertado por especialistas do Wagner PMC (empresa militar privada, da sigla em inglês), os famosos ‘músicos’ da famosa ‘orquestra’”, disse o correspondente de guerra Evgeny Poddubny enquanto visitava a usina de Vuhlehirska, na região de Donetsk, durante transmissão para a emissora Rússia 1. Ao lado dele nas imagens aparecia um mercenário mascarado, usando capacete estampado com uma caveira e duas espadas cruzadas.
No Telegram, aplicativo de mensagens bastante usado por apoiadores de Vladimir Putin, os feitos dos mercenários na Ucrânia têm sido exaltados. “Se antes todos fingiam que essas pessoas não existiam em geral, agora tudo é diferente”, escreveu o administrador da página pró-Kremlin Special Task Channel. “Não são alguns voluntários vagos ou as forças armadas gerais que estão avançando contra os militares ucranianos. É o Wagner fazendo isso”.
Foi também através do Telegram que uma foto publicada por um jornalista russo pró-Kremlin, o correspondente de guerra Sergei Sreda, teria ajudado Kiev a bombardear um esconderijo do Wagner Group na cidade de Popasna, leste da Ucrânia.
Para localizar a base, as forças armadas da Ucrânia teriam se valido de um descuido do jornalista. Na foto (abaixo), ele aparece ao lado de quatro indivíduos com uniformes militares, supostamente mercenários. Ocorre que no lado superior esquerdo da foto é possível ver uma placa com o nome da rua.
Combatentes do Wagner Group posam com jornalista russo (Foto: reprodução/VK)
Na guerra, o governo russo chegou a admitir oficialmente a morte de um ex-militar que supostamente servia ao Wagner. Trata-se do major-general aposentado Kanamat Botashev, de 63 anos, cujo avião foi abatido justamente na região de Popasna. Embora o Kremlin tenha confirmado o episódio, não explicou o que um general demitido das forças armadas em 2013 fazia na Ucrânia com um caça SU-27 que ele não tinha autorização para pilotar.
Botashev foi tratado como “parte da unidade de aviação do Wagner” em páginas ligados à organização mercenária nas redes sociais. Cenas do enterro dele foram reproduzidas na internet, com o ex-militar recebendo um prêmio póstumo de herói nacional, assinado pelo presidente Vladimir Putin.
Recrutamento de mercenários
A fim de manter o suporte ao exército russo, que tem perdido equipamento e pessoal num ritmo bem superior ao de qualquer projeção, o Wagner Group precisa recrutar novos membros. E tem feito isso abertamente na Rússia, recorrendo inclusive ao sistema carcerário, algo que as próprias forças armadas são suspeitas de fazer.
Em ao menos 27 das 85 regiões da Rússia foi possível identificar campanhas de recrutamento, com faixas nas ruas, recrutadores ativos e processos online. “Você quer passar um verão inesquecível com novos amigos e obter lucro? A empresa de viagens Wagner Group oferece passeios na Europa, África e Oriente Médio”, diz um anúncio na rede social VK, a versão russa do Facebook. A promessa salarial é de cerca de US$ 4 mil por mês, sendo o contrato válido por no mínimo quatro meses.
Uma lista de requisitos diz que o Wagner busca homens entre 24 e 50 anos de quase todas as nacionalidades, exceto países da União Europeia (UE), membros da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e da Ucrânia. Criminosos são rejeitados apenas se tiverem sido condenados por estupro, tráfico de drogas ou terrorismo.
De acordo com Vladimir Osechkin, chefe da ONG Gulagu.net, que monitora o sistema prisional da Rússia, o recrutamento ocorre inclusive dentro de presídios russos. Há relatos de que Prigozhin teria ido pessoalmente a algumas unidades prisionais oferecer o perdão presidencial em troca dos serviços no campo de batalhas na Ucrânia. Um preso que presenciou o recrutamento afirmou que condenados por homicídio premeditado e roubo são especialmente bem-vindos, nas palavras do chef de Putin.
O post Existência do Wagner Group deixa de ser segredo na Rússia, que tem até campanha para recrutar novos membros apareceu primeiro em A Referência.