Autoridades russas prendem e multam pessoas por música ucraniana tocada em casamento
Autoridades da Crimeia, região ucraniana anexada pela Rússia em 2014, foram detidas e multadas em função da execução, durante uma festa de casamento, de uma música patriótica ucraniana. As informações são do jornal independente The Moscow Times.
As acusações contra os indivíduos são as de promover “símbolos nazistas” e “desacreditar as forças armadas russas”. Eles teriam tocado a música Chervona Kalyna, cuja letra pede que a Ucrânia seja libertada “dos grilhões moscovitas”, tornando-se símbolo da resistência desde a invasão de 24 de fevereiro.
Oleksiy Goncharenko, ativista ucraniano que trabalha em defesa de migrantes, refugiados e deslocados, postou em sua conta no Twitter o que seria um vídeo da festa. “A Rússia puniu moradores da Crimeia que cantaram uma música ucraniana em um casamento. O ‘tribunal’ designou de cinco a dez dias de prisão e multa. E o dono do restaurante foi obrigado a se desculpar em vídeo e dizer que respeita Putin”.
Russia punished locals in Crimea, who sang a Ukrainian song at a wedding.
The “court” appointed from 5 to 10 days of arrest and fines. And the owner of the restaurant was forced to apologize on video and say that he respects Putin.#Russia is a fascist state! pic.twitter.com/MuoMVQAdZW
— Oleksiy Goncharenko (@GoncharenkoUa) September 14, 2022
A punição mais severa foi aplicada ao dono do estabelecimento, que cumpre 14 dias de prisão. Já o DJ e uma dançarina que animava a festa foram condenados a dez dias de detenção, enquanto a mãe do noivo passou cinco dias encarcerada. As multas foram aplicadas a duas outras pessoas, no valor de 50 mil rublos (R$ 4,3 mil) para cada.
No começo da semana, Sergei Aksyonov, chefe da Crimeia designado por Moscou, havia alertado que seriam aplicadas punições pelo simples fato de as pessoas cantarem “slogans pró-Ucrânia” ou “canções nacionalistas”.
Bandeira da Ucrânia na cidade de Dnipro (Foto: Wikimedia Commons)
Por que isso importa?
Desde a invasão da Ucrânia por tropas russas, no dia 24 de fevereiro, a repressão imposta pelo governo de Vladimir Putin aumentou consideravelmente, com novos mecanismos legais à disposição do Estado e o aumento da violência policial para silenciar os críticos. Uma lei do início de março, com foco na guerra, pune quem “desacredita o uso das forças armadas”.
Dentro dessa severa nova legislação, os detidos têm que pagar multas que chegam a 300 mil rublos (R$ 26 mil). A pena mais rigorosa é aplicada por divulgar “informações sabidamente falsas” sobre o exército e a “operação militar especial” na Ucrânia, que é como o governo descreve a guerra. A reclusão pode chegar a 15 anos.
Apesar dos riscos, muitos russos enfrentam a repressão e a possibilidade de serem presos e protestam de diversas maneiras para deixar clara sua oposição ao conflito.
Em Moscou, no dia 15 de março, ignorando todos esses riscos, uma mulher escolheu como ponto de protesto a Catedral do Cristo Salvador. Em um cartaz, reproduziu o sexto mandamento segundo a Igreja Ortodoxa: “Não matarás”. Outra mulher desafiou a censura e se posicionou em uma esquina próxima do Kremlin com um cartaz que dizia “Não à guerra”. Ambas foram retiradas por policiais e colocadas em um camburão menos de dez minutos depois de exibirem os cartazes.
Yevgenia Isayeva, uma artista e ativista da cidade russa de São Petesburgo, optou por um protesto mais gráfico no dia 27 de março. Com um vestido branco, ela se posicionou em frente à prefeitura da cidade e, então, despejou tinta vermelha sobre a roupa, enquanto dizia repetidamente: “Meu coração sangra, meu coração sangra…”. Também teve poucos minutos para se manifestar antes de ser retirada à força.
Jovem russa exibe cartaz com a frase “não matarás” em protesto antiguerra (Foto: reprodução/Twitter)
Há, ainda, os manifestantes que querem deixar sua mensagens sem expor a própria imagem. Casos dos grafiteiros que têm feito surgir nos muros de cidades russas mensagens antiguerra. Também em 27 de março, dois homens foram presos na cidade de Tula, no sul do país, acusados de grafitar mensagens como “Derrubem Putin” e “Parem Putin”.
A jornalista russa Marina Ovsyannikova, por sua vez, ficou conhecida mundialmente por interromper um noticiário na TV estatal russa Canal 1 (Piervy Kanal) para protestar contra a invasão da Ucrânia. No dia 14 de março, ela se postou repentinamente atrás da apresentadora de um telejornal com um cartaz escrito em russo e inglês que dizia “Não à guerra, não acredite na propaganda. Eles estão mentindo para você”. Ela ficou no ar durante vários segundos até que o canal a tirasse de cena.
No dia seguinte ao protesto, a Justiça russa condenou a jornalista a pagar também uma multa de 30 mil rublos (cerca de R$ 1,69 mil), justificando de se tratar de uma “tentativa de organizar um protesto não autorizado”. Ovsyannikova, que foi detida outras vezes depois disso, pediu demissão e diz que não pretende sair do país, alegando ter recusado uma oferta de asilo da França. Ela foi colocada em prisão domiciliar, será julgada e pode ser condenada a uma pena de até dez anos de prisão.
Coletivamente, um jeito diferente de protestar tem sido através de mensagens escritas em cédulas e moedas de rublos. O fenômeno passou a ser compartilhado em plataformas como Twitter, Telegram e Reddit. As mensagens são normalmente escritas à mão, sendo as frases mais comuns “não à guerra” e “russos contra a guerra”.
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