Kamala Harris poderia vencer Trump se substituísse Joe Biden?
Enquanto Joe Biden luta para permanecer como candidato do partido, alguns dizem que sua impopular vice-presidente é a pessoa certa para disputar as eleições. Na tarde de sábado (6/7), a vice-presidente dos EUA, Kamala Harris, subiu ao palco de um festival de cultura negra em Nova Orleans, falou sobre sua história de vida e o que acreditava ter realizado na Casa Branca.
É o tipo de evento que a primeira vice-presidente mulher, negra e sul-asiática americana marcou presença ao longo dos três anos e meio como vice de Joe Biden, geralmente acompanhada por um grupo acanhado de jornalistas, em comparação com o que segue o presidente.
Mas à medida que os democratas entram em pânico, a milhares de quilômetros de distância, em Washington, cogitando substituir Joe Biden, de 81 anos, como candidato do partido nas eleições de novembro, após seu desempenho lamentável e, por vezes, incompreensível no debate contra Donald Trump, o número de jornalistas que acompanham Harris aumentou para dezenas.
No palco e durante suas viagens no último fim de semana, a vice-presidente não abordou questões polêmicas, como a aptidão de Biden para exercer o cargo, e se ele deveria desistir da disputa e passar o bastão a ela.
Mas ao falar sobre ambição e como trilhar seu próprio caminho em discurso ao público em Nova Orleans, ela encorajou a multidão a não dar ouvidos aos pessimistas.
“As pessoas na sua vida vão dizer que não chegou sua hora. Não é sua vez. Ninguém como você já fez isso antes”, advertiu ela.
“Nunca dê ouvidos a isso.”
Desde o debate desastroso na rede americana CNN, em 27 de junho, Harris tem defendido Biden repetidamente, argumentando que seu histórico como presidente não deveria ser ofuscado por 90 minutos num palco de debate. O próprio Biden adotou um tom desafiador e insistiu veementemente que vai continuar sendo candidato.
No entanto, à medida que crescem os apelos para o presidente desistir da disputa, alguns democratas de destaque estão se unindo em torno de Harris, de 59 anos, como a candidata natural para substituí-lo.
No domingo (7/6), o congressista Adam Schiff, da Califórnia, disse ao programa Meet The Press, da rede NBC, que Biden tinha que ser capaz de “vencer de forma esmagadora ou teria que passar a tocha para alguém que seja capaz”. Kamala Harris, ele acrescentou, poderia “muito bem vencer de forma esmagadora” contra Trump.
Esta é uma proposta que surpreendeu alguns democratas, incluindo aliados de Biden, que veem Harris como uma vice-presidente que fracassou na disputa pela indicação democrata para 2020, antes mesmo da primeira votação das primárias ser realizada, e que tem lutado contra um histórico irregular e baixos índices de aprovação durante seu mandato na Casa Branca.
Mas legisladores democratas como Schiff e o congressista Jim Clyburn, da Carolina do Sul, têm apresentado Harris como a sucessora natural, caso Biden acabe cedendo à pressão do partido para desistir da disputa.
Os defensores da candidatura de Harris citam uma série de pesquisas que sugerem que ela teria um desempenho melhor do que o presidente num hipotético confronto contra Donald Trump, e argumentam que ela tem o perfil nacional, a infraestrutura de campanha e o apelo para os eleitores mais jovens — o que poderia tornar a transição suave, quatro meses antes do dia das eleições.
Uma promoção para liderar a chapa seria uma reviravolta notável para uma mulher que até pouco tempo era vista como uma fragilidade política por altos funcionários de Biden na Casa Branca. Até o próprio Biden supostamente a descreveu como um “projeto em andamento” durante seus primeiros meses no cargo.
Mas Jamal Simmons, estrategista democrata de longa data e ex-diretor de comunicação de Harris, disse que ela havia sido subestimada por muito tempo.
“Quer ela seja parceira do presidente ou tenha que liderar a chapa, ela é alguém que os republicanos e a campanha de Trump precisam levar a sério”, afirmou Simmons à BBC.
Desde o debate e sua repercussão, Harris mudou sua agenda para ficar ao lado do presidente. Ela compareceu a uma reunião na última quarta-feira, que foi alvo de intenso escrutínio, na qual Biden procurou tranquilizar os poderosos governadores democratas sobre sua aptidão para o cargo.
E um dia depois, no 4 de julho — Dia da Independência dos EUA —, ela abandonou sua habitual tradição de preparar cachorro-quente para bombeiros e agentes do serviço secreto em sua residência, em Los Angeles, para estar ao lado de Biden nas celebrações na Casa Branca.
A ex-promotora se concentrou em criticar Trump em aparições públicas desde o debate, insistindo sobre por que os eleitores deveriam acreditar que ele é uma ameaça à democracia e aos direitos das mulheres. Ao mesmo tempo, ela não ofereceu nada além de um apoio inabalável a Biden.
Os vice-presidentes precisam sempre encontrar um equilíbrio delicado entre a ambição e a lealdade, mas Harris sabe que este não é um momento em que possa mostrar qualquer distanciamento entre ela e o presidente.
Kamala Harris está, no entanto, longe de ser a única alternativa a Biden em discussão. A lista de potenciais substitutos do presidente vai desde um grupo de governadores populares – Gretchen Whitmer (Michigan), Gavin Newsom (Califórnia), Josh Shapiro (Pensilvânia) e JB Pritzker (Illinois) — até o secretário de Transportes, Pete Buttigieg, e o congressista Ro Khanna, da Califórnia.
Harris e sua equipe se recusam a se envolver em especulações públicas. Mas sua equipe está bem ciente das conversas nos bastidores, à medida que alguns membros do partido se aglutinam atrás dela.
Um memorando que circulou online, supostamente escrito por membros do partido democrata, apresentava um argumento detalhado para promover Harris, apesar das suas “verdadeiras fragilidades políticas”.
Tentar escolher outra pessoa além dela iria levar a campanha ao caos e manter as “picuinhas democratas” sob os holofotes da mídia durante meses”, diz o texto..
Se Biden desistisse da nomeação, a ideia de os democratas preterirem Harris em prol de outro candidato assusta muitos na ala à esquerda do partido e na sua poderosa bancada negra.
Nesta situação, “este partido não deveria, de forma alguma, fazer nada para passar por cima de Harris”, declarou Clyburn, um dos legisladores negros mais proeminentes no Congresso, à MSNBC na semana passada.
Os republicanos também reconheceram que Harris seria a favorita para substituir Biden.
O senador Lindsey Graham, da Carolina do Sul, alertou no domingo que os republicanos devem estar prontos para uma “corrida drasticamente diferente”, caso Harris — que ele descreveu como uma candidata “vigorosa” — assuma a disputa.
Graham enfatizou sua marca progressista na Califórnia, sugerindo que ela estava mais próxima, em termos políticos, do agitador de esquerda Bernie Sanders do que de Joe Biden, no que parecia ser um vislumbre da linha de ataque republicana caso ela se torne candidata.
Donald Trump, por sua vez, a chamou de “patética” nos dias que se seguiram ao debate.
Mas, em última análise, a única questão que importa para muitos democratas — incluindo os doadores endinheirados — é se ela tem mais chance de derrotar Trump do que Biden. E isso é profundamente incerto.
Os apoiadores de Harris citam uma pesquisa recente da CNN sugerindo que ela se sairia melhor do que o presidente contra Trump em novembro. Em uma disputa direta, Harris aparece apenas dois pontos atrás do republicano, enquanto Biden ficaria seis pontos atrás dele. A pesquisa também sugeriu que Harris teria um desempenho melhor do que Biden com eleitores independentes e mulheres.
Mas muitos especialistas em pesquisas desconsideram essas sondagens hipotéticas, observando que o sentimento do eleitorado mudaria se Biden realmente decidisse desistir da disputa, e os democratas considerassem outros candidatos em potencial.
Um pesquisador de opinião democrata próximo à campanha de Biden reconheceu que Harris pode ter mais potencial para expandir a base eleitoral do partido do que o presidente, mas é cético em relação à diferença que ela faria. As pesquisas que a colocam contra Trump neste momento “não significam nada”, diz ele, que pediu anonimato porque não estava autorizado a falar com a imprensa.
Harris, filha de mãe indiana e pai jamaicano, tem um desempenho melhor nas pesquisas do que Biden com eleitores negros, latinos e jovens — círculos eleitorais cruciais que seus aliados dizem que ela seria capaz de revigorar como candidata.
Mas se ela realmente aumentaria a participação dos eleitores negros mais jovens é outra questão incerta. “Este é simplesmente um daqueles momentos de esperar para ver”, acrescenta o pesquisador.
Alguns membros do partido também estão se perguntando se a reputação progressista de Harris colocaria em risco perder os eleitores da classe trabalhadora e dos sindicatos nos estados pêndulo da Pensilvânia, Michigan e Wisconsin, nos quais Biden venceu por pouco em 2020, e em que ambos os partidos precisam garantir uma vitória em novembro.
Caso ela assuma a chapa, alguns democratas sugeriram que o governador Josh Shapiro, da Pensilvânia, ou o governador Roy Cooper, da Carolina do Norte, poderiam ser escolhidos como vice para conquistar eleitores de centro nos estados do Meio-Oeste.
Dadas as idades de Joe Biden e Donald Trump, os eleitores estão prestando muito mais atenção ao candidato a vice-presidente de ambos os partidos neste ciclo eleitoral, observa Celinda Lake, pesquisadora de opinião democrata veterana que trabalhou para a campanha de Biden em 2020.
Do lado republicano, Trump ainda não anunciou seu companheiro de chapa, embora muitos especulem que ele vai escolher o governador de Dakota do Norte, Doug Burgum, ou o senador JD Vance, de Ohio.
A grande preocupação entre alguns democratas sobre a força de Harris como candidata presidencial remonta à sua tentativa malsucedida para nomeação do partido em 2020, na qual ela desferiu golpes contra Biden em um debate inicial, mas acabou saindo da disputa antes do primeiro caucus em Iowa.
Os críticos disseram que ela teve dificuldade para se definir como candidata, um sentimento que perdurou durante todo seu mandato como vice-presidente. Ela teve um início turbulento na Casa Branca, marcado por deslizes notórios em entrevistas, baixos índices de aprovação e rotatividade na equipe.
Ela também foi incumbida de supervisionar a estratégia do governo para reduzir a migração pela fronteira sul dos EUA, que chegou a níveis recordes nos últimos três anos, e continua a ser um grande ponto de vulnerabilidade para a campanha.
Esses tropeços iniciais levaram Harris a ser mais cautelosa em suas aparições públicas, mas muitos eleitores a veem como ineficaz e ausente.
“As pessoas precisam saber mais sobre ela, em que questões econômicas ela é forte, e precisam ser lembradas do papel que ela desempenhou”, diz Lake.
Ao longo do último ano, Harris se firmou como a principal voz do governo no que diz respeito ao direito ao aborto, uma questão que provou ser um sucesso para os democratas durante as eleições de meio de mandato de 2022, e com a qual o partido espera reconquistar mais eleitores em novembro.
Como uma ex-promotora que lidava com casos de violência sexual, ela invocou histórias pessoais de trabalho com mulheres que abortaram no banheiro ou foram recusadas em hospitais, enquanto tentava mobilizar os eleitores em torno do tema.
Durante a campanha, ela também procurou capitalizar outras questões que ressoam entre os eleitores jovens, incluindo o perdão das dívidas estudantis, as mudanças climáticas e a violência armada. A Casa Branca também fez um esforço concertado para promovê-la com mais força.
Ainda assim, ela enfrenta uma difícil batalha para mudar o ceticismo de longa data dos eleitores — seus índices de aprovação giram em torno de 37%, de acordo com a média das pesquisas compiladas pela FiveThirtyEight —, um patamar semelhante ao de Biden e Trump.
E, a menos que o próprio Biden ceda à crescente pressão do partido para desistir da disputa, os apoiadores democratas de base parecem resignados a apoiar a chapa atual.
No festival Essence em Nova Orleans, Iam Christian Tucker, uma pequena empresária local de 41 anos, disse que, em última análise, não se importava com quem era o indicado.
Ela falou que gostava de Harris, mas não tinha certeza se uma presidente negra poderia vencer as eleições.
“Vou votar contra Donald Trump mais do que qualquer coisa”, afirmou ela à BBC.
Greg Hovel, de 67 anos, que participou de um comício pelo presidente Biden em Madison, no Estado de Wisconsin, na semana passada, disse que apoiou Harris nas primárias de 2020, e “sempre foi um fã”. Mas alertou que existe “um sentimento antimulher forte neste país”.
“Acho que ela seria uma excelente presidente”, declarou Hovel.
“Mas ainda acho que Biden pode vencer.”
* Mike Wendling contribuiu para esta reportagem de Madison, em Wisconsin.
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