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O outro lado da moeda: como ex-goleiro do Corinthians ganha espaço sendo dirigente na Europa

O outro lado da moeda: como ex-goleiro do Corinthians ganha espaço sendo dirigente na Europa

Fernando Yamada, gestor de futebol, fala sobre ida ao Portimonense
Formado como jogador no Corinthians e finalista da Conmebol Libertadores como gestor no Athletico-PR em 2022, Fernando Yamada trocou o Brasil por Portugal no começo deste ano para assumir a direção esportiva do Portimonense, clube da segunda divisão do país. A decisão ajuda a contar um fenômeno recente: enquanto clubes brasileiros importam treinadores e até diretores estrangeiros, cresce a presença de executivos do Brasil em cargos de comando na Europa.
O movimento que levou o paulista a Portimão não é isolado. Em 2023, Thiago Scuro deixou o Bragantino e assumiu o cargo de diretor de futebol do Monaco e, posteriormente, de diretor geral. No mesmo ano, Deco foi oficializado como diretor de futebol do Barcelona. Em julho de 2025, depois de deixar o Arsenal, Edu Gaspar se tornou diretor de futebol do Nottingham Forest.
Em Portugal, o Santa Clara apostou no brasileiro Klauss Câmara como diretor desportivo e posteriormente presidente, e, em julho deste ano, o Leixões anunciou o brasileiro Rodrigo Weber, antes gerente de mercado do Atlético-MG, para a mesma função. Enquanto técnicos como Abel Ferreira, Leonardo Jardim, Pedro Caixinha e Artur Jorge são requisitados pelos clubes brasileiros, o “outro lado da moeda”existe — e cresce.
– Eu acho que nunca teve na história um momento tão protagonista, onde se oportuniza bastante os profissionais brasileiros. Então acho que tem que se valorizar isso, porque hoje talvez nós sejamos os únicos capazes de representar bem o futebol brasileiro aqui na Europa – disse Fernando Yamada.
Fernando Yamada, diretor esportivo do Portimonense
Divulgação Portimonense/SAD
Por que a busca por executivos brasileiros?
Yamada explica que fazer escola no Brasil capacita o profissional a ter um diferencial no mercado.
– O brasileiro que trabalha no Brasil, acaba de uma forma às vezes até obrigatória tendo que resolver muitos problemas. O organograma dos clubes, de modo geral, não é bem estruturado. Um gestor acaba fazendo duas, três funções dentro da organização. Uma vez que você vem para fora, você que teve que fazer mais de uma, duas, três funções no seu clube, você acaba tendo um upgrade no que se refere à gestão – comentou.
O ex-jogador contou que o executivo que trabalha nas categorias de base dos principais clubes do país tem que lidar com muitas pessoas, uma vez que os departamentos são muito grandes, como performance, saúde e scout. Já na equipe profissional, existe aquela pressão pelo resultado imediato, cada vez mais percebida no Brasileirão.
– O profissional brasileiro tem que ser muito proativo e muito assertivo nas tomadas de decisões, porque a pressão é muito grande. Então, isso vai o credenciando para que ele seja um profissional diferente no mercado. Eu acho que esse é o nosso diferencial, nós somos muito flexíveis e temos muita habilidade para lidar com os problemas.
Além disso, Yamada comparou o ambiente de trabalho de um clube associativo como o Corinthians, onde foi formado como goleiro e depois voltou como dirigente da base entre 2017 e 2021, com o de um clube empresa, agora no Portimonense. O Corinthians demanda uma habilidade para lidar com situações específicas que acontecem no dia a dia, diferentemente de uma empresa. O número de pessoas que frequentam o clube é bem maior, o que dificulta a gestão.
– O Corinthians, de modo geral, sempre conseguiu blindar muito bem os seus departamentos, tanto no profissional quanto na base. Agora, é óbvio, é um clube político. No período em que estive lá, o desafio era tentar fazer uma gestão de clube empresa dentro de um clube associativo. Mas conseguiram muito bem blindar o meu trabalho, então, eu não tinha muito acesso à política do clube, e eu estava ali apenas para trabalhar.
Todo esse sistema do futebol brasileiro faz com que o profissional que trabalha aqui junte uma bagagem muito grande, segundo Yamada, mas o principal diferencial é o conhecimento de mercado.
A busca por jovens talentos vem ganhando importância nos últimos anos com o desenvolvimento do departamento de scout nos clubes. Entretanto, uma vez que o investimento na área é crescente e a maioria das organizações hoje conta com um scout elaborado, a briga é pela rapidez e para identificar um atleta promissor antes dos adversários.
Para a maioria dos clubes da Europa, o Brasil é um dos principais mercados para captar jogadores, e o brasileiro tem uma vantagem natural nesse monitoramento, pois conhece os caminhos para acessar as melhores oportunidades. Nesse sentido, Yamada ressalta que manter um bom relacionamento com os profissionais é uma ferramenta essencial para potencializar essa vantagem.
– Eu fiz parte, durante muitos anos, do movimento dos gestores do futebol brasileiro. Então, eu consigo interagir muito bem com os presidentes, com os diretores esportivos, com os treinadores, o que é um facilitador. Eu consigo me comunicar em tempo real para buscar informação e oportunidades.
O diretor esportivo do clube português investe grande parte do seu tempo diário interagindo com o mercado brasileiro.
– Tenho amigos em grandes clubes do futebol brasileiro e mundial, profissionais que trabalharam comigo na época do Corinthians, do Atlético, que hoje estão no Arsenal, tem clubes da MLS, Flamengo, Botafogo, eu sempre gostei de interagir com esses profissionais, porque eles estão no chão da fábrica.
Fernando Yamada avalia interesse crescente dos clubes europeus em gestores brasileiros
Yamada explica que a estratégia exige velocidade. Para isso, ele seleciona as pessoas com quem se comunica, dando preferência ao grupo de amigos mais próximos, suas “bolas de segurança”.
No Portimonense, o interesse no jovem talento brasileiro é muito grande, mas o diretor esportivo conta que alguns ajustes são necessários nesse perfil de atleta.
– O problema do Brasil vai além do campo, é mais social. A maioria dos jogadores vem de uma família com uma condição de vida muito precária, nível social muito baixo, então você precisa entender essas particularidades do jogador. De modo geral, o jogador brasileiro é muito bom tecnicamente. Fisicamente, ele é privilegiado quase sempre, mas às vezes ele peca um pouco no aspecto mental.
Sabendo disso, o profissional acha necessário e foca em desenvolver o pilar cognitivo desses atletas, uma vez que eles precisam tomar uma série de decisões em um jogo de 90 minutos dentro de um ambiente de pressão. Yamada conta que, diferente de um jogador europeu, o brasileiro não consegue ser constante durante todo o jogo na maioria das vezes.
– É o aspecto cognitivo, às vezes o aspecto mental, no sentido de ser mais resiliente, mais regular, mais constante. Uma vez que eu consigo equilibrar isso, eu não tenho dúvida nenhuma que ele está entre os melhores jogadores do mundo.
O Portimonense
Yamada, ex-goleiro revelado no Timão, diz que a ida para Portugal foi a chance de viver, enfim, a experiência europeia, mesmo que fora de campo. Quando saiu do alvinegro, em sua segunda passagem, o profissional foi para o Athletico-PR, clube que tinha como referência em gestão e estrutura no cenário nacional. Depois desses anos no Brasil, o anseio por um desafio diferente cresceu.
– Isso começou como jogador, em algum momento da minha carreira tive esse desejo. Por ‘N’ motivos eu não consegui realizar. Na minha geração era mais difícil, não era tão frequente os goleiros serem negociados. Eu também não tinha um passaporte comunitário, então era um pouco mais difícil.
O Portimonense é uma SAF (Sociedade Anônima do Futebol) que tem Rodiney Sampaio como presidente e Robson Ponte como vice-presidente, ambos brasileiros presentes na rotina do futebol, o que ajuda a explicar a escolha. Theodoro Fonseca, acionista majoritário, também é brasileiro, ex-jogador e começou a carreira no Timão.
Yamada contou que a diretoria, que está há mais de oito anos no clube, é muito atuante no dia a dia e todo o trabalho gira em torno deste colegiado. Por ser um clube SAF, o diretor esportivo explicou que a circulação de informações é mais fluída e organizada, e as tomadas de decisões ficam muito mais fáceis.
Yamada, diretor esportivo do Portimonense, explica vantagens do clube português
– Porque não tem política envolvida, então a gente consegue tomar decisões mais técnicas, então é um organograma muito enxuto. É um clube que, tirando os grandes clubes de Portugal, tem a melhor infraestrutura.
O contexto esportivo do Portimonense exige respostas rápidas. Depois de sete anos na primeira liga, foi rebaixado no meio de 2025, em partida contra o AVS, e agora disputa a Liga Portugal 2, a segunda divisão do país.
– O desafio é muito grande pelo nível de competitividade. O time passa por um momento sensível. É como se fosse o Athletico Paranaense no Brasil, um clube muito bem estruturado, mas está passando na segunda divisão. Então, estamos sofrendo com o orçamento.
O diretor de futebol contou que o valor disponível para o time caiu de 4 milhões e meio para 450 mil, ou seja, uma redução de 90%, restando apenas cerca de 10% do valor original. Ele também explica que a cota disponível entre os times, mesmo quando na divisão principal, é muito desigual.
– Um clube como o nosso tem de cota 4 milhões e meio na ‘Série A’. O Sporting, o Benfica… tem 40, 45 milhões. É muito descomunal.
Fernando Yamada, diretor esportivo do Portimonense, com a filha Maria Fernanda Yamada
Arquivo pessoal
Na gestão do futebol do Portimonense, Yamada repete três pilares que o acompanham desde a gerência da base do Corinthians: infraestrutura (espaço físico e tecnologia), recursos humanos e método. Para ele, a metodologia aplicada pesa tanto quanto o departamento de scout, isto é, não adianta ter vários observadores na equipe e não ter estratégia para atacar o mercado.
Atualmente, os principais mercados monitorados pelo clube são o Brasil, a África e o Uruguai. Além do custo-benefício, o diretor esportivo aponta outras vantagens. Na África, o clube tem feito parcerias com alguns países, como Angola.
Já o Uruguai, apesar de ser um país pequeno, tem chamado muita atenção do Portimonense. Yamada entende que “o jogador uruguaio é muito resiliente, inteligente e com um nível cultural muito bom”, mas é mais difícil de identificá-lo, pois a quantidade de jogadores é menor.
Desde junho, o Portimonense vem anunciando uma série de contratações para reforçar o elenco com forte presença de jogadores brasileiros e africanos. Do Brasil chegaram o volante Lucas Araújo, contratado após passagem pelo Bahia, o meio-campista Xavier, o goleiro Maycon Cleiton, que já atuou pelo Ceará, Vitória e Bragantino, o lateral-direito Heitor Rodrigues, o lateral-esquerdo Keffel e o zagueiro Jarleysom, formado nas categorias de base do Atlético-MG e Palmeiras.
Já do mercado africano vieram os angolanos Samy e Alexandre Abel, ambos zagueiros, o meia ganês Benjamin Acquah, o atacante guineense Mesaque Djú e o goleiro egípcio Hamza Alaa Hussein. geRead More