RÁDIO BPA

TV BPA

Mercosul e União Europeia: quais os próximos passos na implementação do acordo

Mercosul e União Europeia: quais os próximos passos na implementação do acordo

 Ainda não há previsão de quando o acordo passaria a valer, caso seja aprovado pelos parlamentos dos blocos. Javier Milei, Luis Lacalle Pou, Ursula von der Leyen, Luiz Inacio Lula da Silva e Santiago Pena durante cúpula do Mercosul, no qual o acordo com a União Europeia foi fechado
Mariana Greif/Reuters
O acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia foi anunciado nesta sexta-feira (6), por líderes do bloco sul-americano e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.
Apesar da expectativa pelo anúncio, que ocorre 25 anos após o início das negociações, o acordo ainda não possui nenhum efeito prático e imediato e pode demorar até ser implementado.
Em nota, a União Europeia disse que o fim das negociações sobre os termos anunciados nesta sexta constitui apenas o “primeiro passo em direção à conclusão do acordo”.
Agora, o texto precisa seguir um longo caminho de validação nos dois blocos econômicos, e ainda corre o risco de ser reprovado na União Europeia, tendo em vista as manifestações contrárias de alguns governos europeus.
Quais são os próximos passos
Após o anúncio, os próximos passos na conclusão do acordo são:
Revisão legal do texto;
Tradução do texto para a língua inglesa, para todas as 23 línguas oficiais da União Europeia e para as duas línguas oficiais do Mercosul (português e espanhol);
Assinatura dos líderes dos dois blocos;
Encaminhamento do acordo para os processos de aprovação interna dos membros dos dois grupos — e, nesta etapa, o texto precisa passar pela aprovação do Conselho da União Europeia, possivelmente a etapa mais difícil em todo o trâmite;
Conclusão dos trâmites de aprovação e ratificação das partes do compromisso em cumprir o acordo;
Só, então, o acordo entre em vigor.
‘Acordo é uma vitória para a Europa’, diz Ursula von der Leyen sobre acordo entre Mercosul e União Europeia
Os blocos não apresentaram nenhum prazo para a conclusão de cada uma dessas etapas. O governo federal afirma que o acordo produzirá efeitos jurídicos no primeiro dia do mês seguinte à notificação da conclusão dos trâmites internos.
A aprovação interna pelos blocos segue caminhos diferentes em cada um dos blocos. No Mercosul, os parlamentos de cada um dos cinco países-membros — Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Bolívia — precisa analisar e aprovar o texto.
Já na UE, a aprovação passa pelo Conselho da União Europeia pelo Parlamento Europeu (que reúne todos os países do grupo). Essa pode ser a etapa mais desafiadora, de acordo com especialistas, porque depende do consenso da maioria qualificada do bloco.
Para isso, o acordo precisa ser aprovado por, pelo menos, 55% dos países que compõem o grupo. Porém, esses 55% precisam responder por, no mínimo, 65% da população total da UE.
Há um receio de que a França, país que tem protestado contra o acordo, consiga reunir outros países com grandes populações para barrar o acordo. Para isso, basta que países que respondam por 35% da população do bloco concordem com o governo francês.
Em entrevista à GloboNews, o professor de política internacional da UERJ, Paulo Velasco, afirma que uma aprovação do acordo pela maioria obriga os países da UE a cumprirem as regras acertadas. “A soberania comercial da União Europeia é da União Europeia”, disse.
O que é o Acordo de Associação Mercosul-União Europeia?
O Acordo entre Mercosul e União Europeia visa fortalecer a relação entre os países dos dois blocos. Estão previstos tratados em temas importantes, tais como:
Cooperação política;
Cooperação ambiental;
Livre-comércio entre os dois blocos;
Harmonização de normas sanitárias e fitossanitárias (que são voltadas para o controle de pragas e doenças);
Proteção dos direitos de propriedade intelectual; e
Abertura para compras governamentais.
Parte dos temas já havia sido resolvida em 2019, quando os dois blocos conseguiram alcançar um acordo inicial. O texto, no entanto, precisava passar por processos de validação, como a ratificação dos parlamentos de todos os países envolvidos. Foi aí que o acordo travou.
As negociações foram retomadas apenas nos últimos meses, a pedido da Comissão Europeia. A presidente da entidade, Úrsula Von der Leyen, afirma que o acordo criaria a maior parceria de comércio e investimento que o mundo já viu, beneficiando ambas as regiões e atingindo 700 milhões de pessoas.
Um estudo publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em fevereiro deste ano indicou que o acordo traria benefícios à atividade econômica brasileira, com ganhos de investimentos e na balança comercial.
A estimativa é de que as trocas comerciais com a UE provocariam um crescimento de 0,46% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro até 2040 – o equivalente a US$ 9,3 bilhões (R$ 55,7 bilhões), a preços constantes de 2023.
Desafios na conclusão do acordo
Em entrevista coletiva, von der Leyen, disse que o “acordo com Mercosul é vitória para Europa” e que “este é um acordo ganha-ganha, que trará benefícios significativos para consumidores e empresas, de ambos os lados”.
Apesar do otimismo presente na Cúpula, porém, a oposição de alguns países integrantes da União Europeia ainda pode atrapalhar as tratativas do texto.
A França, por exemplo, é um dos países que, há anos, tem se mostrado contra o acordo. Na quinta-feira (e em diversas outras ocasiões), o presidente francês, Emmanuel Macron, classificou o acordo como “inaceitável” em seu estado atual.
A França é um dos maiores produtores agrícolas da UE e deve ser bastante prejudicada pelo acordo, já que a América do Sul tem grandes produtores de grãos e alimentos.
“A França sempre foi contra o acordo. É o maior país agrícola da Europa e a verdade é que a produção francesa, em muitos produtos, não consegue concorrer ou não tem a mesma eficiência que o mercado brasileiro”, explicou Welber Barral, ex-secretário do comércio exterior e sócio-fundador da BMJ Consultores Associados.
Além da França, outro país que já se manifestou contra o acordo é a Polônia.
Do lado sul-americano, o acordo também divide opiniões. Apesar do potencial de trazer benefícios para os países do Mercosul, a leitura de especialistas é que o bloco também pode sofrer com a concorrência vinda da Europa.
“O acordo comercial, qualquer que seja, precisa ser equilibrado em concessões e ganhos, e até mesmo considerar os riscos corridos por quem concede eventuais reduções”, diz o ex-ministro da Fazenda e ex-embaixador Rubens Ricupero.
A expectativa é que os setores industriais, químicos e automobilísticos do bloco sul-americano possam sentir o peso da concorrência vinda da Europa. (entenda mais baixo)
Quais são os impactos do acordo para o Brasil?
O principal efeito para o Brasil, em termos econômicos, viria dos temas que tratam do comércio de bens.
Segundo Welber Barral, apesar de o Mercosul provavelmente não conseguir a cláusula de livre-comércio total, produtos de maior peso na balança comercial entre os blocos – como carnes e alguns grãos – devem conseguir uma cota alta de exportação.
“Além disso, algumas demandas do Brasil referentes às compras governamentais ainda estavam pendentes na última rodada de negociações. [Se aprovadas, essas medidas] devem ter um grande potencial para fazer políticas públicas”, acrescenta o especialista.
A ideia é que as medidas atualizadas tragam maior flexibilidade às cláusulas do tema que, no acordo anterior, limitavam as políticas de desenvolvimento industrial do governo brasileiro .
“Esse era um ponto bastante criticado porque o acordo anterior tornava impossível reservar as licitações do governo apenas para produtores locais. É esperado que esse ponto seja atendido”, diz Ricupero.
De todo modo, a leitura é que o acordo pode ter tanto efeitos positivos quanto relativamente negativos para o Brasil.
👍Efeitos positivos: a facilitação do comércio e a eliminação gradual das tarifas de importação para a maioria dos produtos comercializados entre os blocos tende a aumentar o acesso do Brasil ao mercado europeu.
Segundo Barral, o acordo é bastante positivo tanto para a Europa quanto para os países do Mercosul nesse sentido, incluindo o Brasil.
“Os países do Mercosul vão ganhar mais acesso a um bloco que é um grande importador de alimentos. Isso sem contar que a Europa é um ‘mercado premium’, que tem uma exigência maior de qualidade e que também paga os melhores preços, principalmente nas importações agrícolas”, explica o especialista.
Na prática, isso poderia aumentar as oportunidades de exportação do Brasil para a Europa e possibilitar um aumento significativo de investimentos nas terras brasileiras, trazendo efeitos diretos no país.
Dados do Ipea, por exemplo, indicam que o acordo anterior poderia aumentar os investimentos no Brasil em 1,49% em comparação ao cenário sem a parceria.
Além disso, o tratado também poderia trazer um ganho de US$ 302,6 milhões (R$ 1,8 bilhão) para a balança comercial brasileira. O número é maior do que o benefício esperado para os demais países do Mercosul, de US$ 169,2 milhões (R$ 1 bilhão).
O estudo também aponta que a importação brasileira em função do acordo teria um aumento mais expressivo nos primeiros anos, chegando a um pico de US$ 12,8 bilhões (R$ 76,6 bilhões) em 2034 e desacelerando para US$ 11,3 bilhões (R$ 67,6 bilhões) até 2040.
Já as exportações tenderiam a aumentar continuamente entre 2024 e 2040, até alcançarem um ganho acumulado de US$ 11,6 bilhões (R$ 69,4 bilhões). Isso, segundo o Ipea, seria resultado de três possíveis efeitos:
A queda das tarifas de importação na UE;
O aumento das quantidades exportadas em alguns setores, em função das cotas de exportação concedidas pela UE; e
A redução do custo doméstico de insumos e de bens de capital propiciado pela queda das tarifas no país, tornando os produtos brasileiros mais baratos e competitivos no mercado internacional.
Além disso, outras áreas abordadas pelo acordo também poderiam trazer benefícios para o Brasil, como a facilitação do acesso de empresas brasileiras a serviços europeus e da participação de pequenas e médias empresas aos benefícios do acordo, por exemplo.
👎Efeitos negativos: apesar do potencial de benefícios, a leitura dos especialistas é que setores específicos da economia devem sentir mais intensamente o impacto da concorrência europeia.
Enquanto o Brasil exporta muitas commodities e matérias primas para a Europa, as importações vindas dos países europeus são principalmente focadas em produtos manufaturados – o que pode pressionar a indústria brasileira.
“Se o acordo for assinado, haverá um longo prazo de implementação. Nesse meio tempo, a indústria brasileira vai ter que analisar quais são as oportunidades e quais são os riscos”, diz Barral.
Os especialistas citam como problema, por exemplo, o alto custo de logística no país. “Alguns setores vão ter que enfrentar uma concorrência maior e devem precisar aumentar eficiência, digitalização e escala para enfrentar a competitividade europeia”, completa Barral.
Ricupero reitera, no entanto, que ainda é necessária a divulgação do texto completo, atualizado com os novos termos de negociação, para uma leitura mais certeira de potenciais impactos positivos ou negativos para o país.g1 > EconomiaRead More   

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *