Políticos europeus são acusados de conluio com a Líbia para afastar refugiados
Proeminentes políticos europeus foram denunciados ao Tribunal Penal Internacional (TPI) nesta quarta-feira (30) por crimes contra a humanidade devido ao tratamento dispensado a imigrantes que tentam chegar ao continente. A denúncia, que partiu de uma ONG alemã, aponta nomes como a da ex-chefe de política externa da União Europeia (UE), Federica Mogherini, atuais e ex-ministros do Interior da Itália e atuais e ex-primeiros-ministros de Malta. As informações são do jornal britânico Guardian.
A queixa criminal foi apresentada em Haia, na Holanda, pela instituição de caridade Centro Europeu para os Direitos Constitucionais e Humanos (ECCHR, na sigla em inglês), sediada na Alemanha, que há anos faz duras críticas às políticas de imigração da UE no Mar Mediterrâneo.
Resgate de refugiados no Mar Mediterrâneo em 2018, próximo à costa da Líbia (Foto: Tim Lüddemann/Flickr)
O ECCHR atribui aos políticos a responsabilidade por inúmeros “crimes contra a humanidade sob a forma de severa privação de liberdade física”, como descreveu no Twitter. Segundo a acusação, entre 2018 e 2021, eles teriam conspirado junto à Guarda Costeira líbia, que interceptou várias embarcações e coordenou a detenção de refugiados com a Frontex, a Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira.
Based on new evidence, we filed a complaint to the @IntlCrimCourt, supported by @seawatchcrew, highlighting the role of high-ranking EU & Member State officials in the commission of #CrimesAgainstHumanity against migrants & refugees fleeing Libya by sea.
https://t.co/BFRYYj1IpX pic.twitter.com/7bHuR3R5QA
— ECCHR (@ECCHRBerlin) November 30, 2022
Estas intercepções já eram conhecidas, já que, em 2017, o governo italiano assinou um acordo com a Líbia para financiar, equipar e treinar a guarda costeira do país do norte da África para interceptar refugiados antes de eles entrarem em águas europeias.
O acordo inclusive foi aprovado pelo Conselho Europeu. E o resultado veio rapidamente. Tanto que o número de refugiados que ingressam na Europa pela costa italiana caiu 81% em 2018 em comparação ao ano anterior. A resolução foi renovada em 2020 e, mais recentemente, no mês passado. Cerca de 13 milhões de euros são destinados anualmente pelos cofres italianos para custear o pacto.
Entre os acusados estão o antigo ministro do Interior, Marco Minniti, o anterior ministro do Interior italiano, o líder de extrema-direita Matteo Salvini (que faz discursos públicos contra refugiados), que governou entre 2018 e 2019, o atual ministro do Interior, Matteo Piantedosi.
Salvini e Piantedosi recusaram comentar a acusação. Já Minniti declarou ao Guardian que desconhece a acusação e argumentou que, como o acordo foi assinado pelos primeiros-ministros de Itália e Líbia, ele não é signatário.
ONGs de direitos humanos relatam há anos a precariedade de centros de detenção na Líbia, onde migrantes são vítimas de tortura e abuso pelo regime de Trípoli.
Ouvido pela reportagem, Christopher Hein, professor de direito e políticas imigratórias em Roma, alega que a UE tem “muita responsabilidade no tratamento e nas condições oferecidas aos refugiados na Líbia”, já que “aprovou e tem cofinanciado o acordo”.
Por que isso importa?
Somente no ano passado, mais de 3 mil pessoas morreram ou desapareceram enquanto tentavam chegar à Europa por via marítima, segundo a Acnur (Agência da ONU para Refugiados).
Em fevereiro deste ano, a Acnur afirmou estar profundamente preocupada com o aumento dos incidentes de violência e de sérias violações dos direitos humanos contra refugiados e migrantes em várias fronteiras na Europa. Segundo o chefe do órgão e alto comissário da ONU (Organização das Nações Unidas) para refugiados, Filippo Grandi, alguns desses incidentes terminaram em morte.
Violência, tratamento cruel e intimidações ocorrem em vários pontos de entrada para o continente, por terra ou mar, apesar de pedidos da ONU e de ONGs para o fim dessas práticas.
Filippo Grandi diz que “o que está acontecendo na Europa é ilegal e moralmente inaceitável e por isso, precisa acabar”, uma vez que “proteger a vida humana, os direitos e a dignidade precisam ser prioridade compartilhada”.
O chefe da Acnur defende o estabelecimento urgente de mecanismos nacionais independentes para garantir a investigação dos incidentes com migrantes. E diz temer que “essas práticas deploráveis se tornem a norma”. Segndo ele, a maioria dos refugiados do mundo é acolhida por países de rendas baixa e média, que têm poucos recursos e geralmente fazem fronteiras com nações em crise”.
Filippo Grandi reconhece que os países da UE já são há muito tempo apoiadores do trabalho da Acnur e contribuem com a proteção dos refugiados em várias nações. Mas segundo ele, este tipo de apoio “não pode substituir as obrigações e responsabilidades dos Estados em receber e proteger refugiados em seu próprio território.”
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