Torcedor do Valencia denuncia “o racista do setor 5 de Mestalla” após um ano testemunhando ofensas
O jornalista espanhol José Manuel Bort denunciou, em um artigo publicado originalmente no site “Levante-EMV”, o comportamento racista, sexista e xenofóbico de um torcedor do Valencia, após testemunhar durante um ano e três meses toda sorte de ofensas discriminatórias direcionadas a jogadores de times adversários no estádio Mestalla, especialmente negros, sul-americanos ou de ascendência árabe, mas também proferidos a espanhóis de outras regiões do país, como bascos e andaluzes.
No artigo, intitulado “O racista do setor 5 de Mestalla”, Bort descreve incontáveis situações que, segundo ele, constrangiam os demais torcedores ao redor, pelo baixo nível das ofensas: “Negro de merda”, “Vai para o Bioparc (o zoológico de Valência)”, “Negro dos barcos (referindo-se a imigrantes”, entre outros exemplos de discurso de ódio.
Raphinha em ação pelo Barcelona contra o Valencia em Mestalla
Reuters/Pablo Morano
“Estou há um ano e três meses suportando sua raiva no meu pescoço e chegou o momento de torná-lo público, visto que as instituições que deveriam retirá-lo do estádio (LaLiga e Valencia CF) não o fizeram. Faremos nós: um pai, um filho e outros vizinhos de assento que se ofereceram para testemunhar”, contou o jornalista em um dos trechos do artigo.
Bort contou que comprou dois ingressos para a temporada passada na fila 12 do setor 5 do Mestalla para acompanhar os jogos do Valencia com seu filho na região central da arquibancada, onde costumava ir com o pai quando criança. E já no primeiro jogo, contra o Barcelona, se surpreendeu com os gritos vindos da fila 13, logo atrás dele, dirigidos a Yamal e Raphinha: “Dê um amarelo por ser porco e um vermelho por ser negro”, esbravejou em direção ao árbitro, referindo-se ao brasileiro do Barcelona.
“Os insultos continuaram a cada jogo, de forma reiterada, com a mesma sanha: ‘Etarras!’ (dirigido a jogadores do Athletic Bilbao e diante da presença de dois torcedores bascos próximos), ‘Ciganos!’ (para jogadores do Betis), ‘Sudacas!’. ‘Pagaria 50 centavos por cada bala na cabeça de um vermelho. Vermelho morto, vermelho bom’, soltou um dia a não se sabe quem nem por que motivo, já que no seu neurótico saco de bichos e serpentes cabem todos. Um dia até se dirigiu também para um jogador do Valencia, Mosquera: ‘Que ruim é este negro dos barcos’. Tem racismo, xenofobia, fanatismo, intolerância. É ódio disfarçado de torcedor de um time de futebol”, observou.
Após artigo, Valencia promete agir
Segundo Bort, todas as suas tentativas de denunciar o agressor na esfera esportiva foram infrutíferas. Primeiro, procurou o Valencia, que lhe instruiu a levar o caso à LaLiga, responsável pela organização do Campeonato Espanhol. O jornalista contou que a LaLiga enviou emissários em três jogos do Valencia, um deles contra o Real Madrid, sem qualquer ação concreta.
“Seria desonesto da minha parte afirmar que a resposta de LaLiga à minha denúncia não foi rápida. Estiveram presentes, dou fé. O resultado é outra coisa”, contou.
“Nove meses e dezenas de insultos de ódio depois, tudo continua igual no setor 5 de Mestalla”, lamentou.
Vinicius Junior, do Real Madrid, é xingado pelos torcedores do Valencia
Aitor Alcalde Colomer/Getty Images
Cansado de esperar atitudes oficiais, Bort conversou com outros torcedores que também se sentiam ofendidos com a presença do “racista do setor 5” e decidiu dar um passo adiante. Passou a gravar os insultos – sem imagem, para não correr risco de ser descoberto. Os áudios que confirmavam os insultos também captaram inúmeras discussões do agressor com torcedores ao redor, que o recriminavam e recebiam insultos como resposta.
O material registrado serviu de base para Bort levar o caso à Promotoria de Crimes de Ódio de Valência, no dia 29 de outubro, com base no artigo 510 do Código Penal espanhol, que tipifica o comportamento registrado como delito de ódio. Este artigo já foi usado há dois meses, em Barcelona, para condenar a um ano de prisão um torcedor do Espanyol que, em 2020, imitou gestos de macaco em direção ao espanhol Iñaki Williams, do Athletic Bilbao.
Segundo o site “Levante-EMV”, o Valencia informou nesta segunda-feira, após a publicação do artigo, que abrirá um expediente disciplinar contra o torcedor denunciado por Bort. Se o clube confirmar o comportamento inadequado, o agressor poderá ter seu acesso ao estádio proibido.
Valencia teve torcedores condenados por racismo a Vini Jr.
Ataques racistas a Vinícius Júnior no Mestalla, em maio de 2023, acendeu o debate sobre a discriminação racial e xenofobia no futebol espanhol. Ano passado, três torcedores do Valencia foram condenados a oito meses de prisão pelo episódio, além de proibidos de entrar em qualquer estádio do país por dois anos.
Marcado pelo caso, o Valencia processou em setembro a plataforma de streaming Netflix e a produtora Conspiração Filmes por imagens do episódio exibidas no documentário “Baila, Vini”. O clube alega que o filme distorce o ocorrido, causando danos à sua imagem. Desde o caso de 2023, todos os jogos de Vini Jr. no Mestalla pelo Real Madrid são marcados por confusões envolvendo o brasileiro e a torcida do Valencia.
Vinícius Junior chega a tribunal em Madri para depor sobre ataques racistas recebidos no Mestalla em Valencia x Real Madrid
AFP
No artigo publicado nesta segunda-feira, Bort observa que “todos os estádios têm seu idiota de cabeceira” e relembra casos recentes de racismos protagonizados por torcedores do Barcelona e Real Madrid contra jogadores rivais. Como torcedor do Valencia, ele defende que sua torcida merece “um estádio respeitoso e digno”.
“A cada domingo, Mestalla se faz menos minha casa. A presença deste sócio afeta os espectadores e suja a reputação da torcida valencianista, que merece um estádio respeitoso e digno. Cada minuto que este indivíduo segue sentado na arquibancada é um fracasso de LaLiga, do Valencia e de uma sociedade que se crê moderna enquanto tolera o racismo a céu aberto. O ódio se combate de frente, não de relance. Sem hesitar”, encerra o artigo.
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