Com maior espaço e liderança, mulheres relatam desafios à frente do agronegócio
Em alta de 44% em 11 anos, atuação no setor ganha dimensão principalmente na pecuária e no Nordeste. Em outubro, congresso nacional sobre espaço feminino no campo chega à sétima edição. Sônia Bonato é responsável administrativa de 130 hectares na região Centro-Oeste
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“Eu lembro que, com 9 anos, já ajudava nos serviços da horta, colocando água nas plantas e na colheita. Também ia com meu pai na feira. A maioria das mulheres da minha família trabalhou no campo, nas lavouras de café, de milho, ou tirando leite. Isso mostra como sempre foram guerreiras e dispostas a batalhar pelos seus negócios”, conta a produtora rural Andrea Silvia Rodrigues de Lázari, que há 24 anos está à frente de sua horta em Cajuru (SP).
Inspirada pelo trabalho da mãe e das tias, suas atividades a princípio estavam mais ligadas à plantação; hoje, boa parte do tempo é dedicada à comercialização das folhas e legumes cultivados no sítio de aproximadamente 8,5 hectares.
“Eu transporto e comercializo. Mas quando precisa, quanto falta funcionário, também ajudo na colheita”, afirma.
Assim como ela, quase 1 milhão de mulheres administram propriedades rurais no Brasil, em cerca de 30 milhões de hectares, segundo o Boletim da Agricultura Familiar, divulgado pela Companhia Nacional de Desenvolvimento (Conab) com o objetivo de demonstrar a presença feminina no campo.
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O documento se baseia em levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que apontou crescimento de 44,2% da liderança das mulheres no campo em 11 anos, principalmente na pecuária e na região Nordeste do país.
Para a agropecuarista Sônia Bonato, integrante da diretoria da Aprosoja-Goiás e de outras entidades do agro, a pesquisa, além de indicar a forte presença feminina no setor, reflete a maneira com que elas vêm se posicionando.
“Finalmente estamos assumindo nosso lugar como dona dentro das propriedades rurais. Não somos esposas do produtor rural; somos produtoras rurais junto com a nossa família”, defende.
Há 20 anos, Carolina Gama atua na área comercial do agro, incentivando a participação feminina
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Onde as mulheres mais atuam
A pesquisa trata do perfil tanto de mulheres que responderam estar na liderança de propriedades quanto das que assumem outros cargos.
Entre as proprietárias, 50% desempenham atividades relacionadas à pecuária e criação de animais; 32% em lavouras temporárias e 11% na produção de culturas permanentes.
No caso que não se declararam donas, as atividades mais comuns são as desenvolvidas em lavouras temporárias (42%), seguidas por pecuária e criação de animais (39%) e em lavouras permanentes (7%).
Frente a esses dados, Sônia avalia que as mulheres sempre tiveram participação ativa nas propriedades rurais, mas antigos levantamentos, como o do IBGE, não apresentavam opções de resposta que correspondessem ao papel que elas já desempenhavam.
“Isso fez com que muitas mulheres não aparecessem nas pesquisas. Mas sempre foram elas que ajudaram os maridos na colheita, nas decisões e a fazer o negócio funcionar. Tenho certeza de que se tivesse essa resposta, o número de mulheres no campo já apareceria muito maior”, pondera a agropecuarista, responsável pela gestão de 130 hectares de uma fazenda em Ipameri (GO).
Por outro lado, foi no Centro-Oeste brasileiro onde menos mulheres apareceram como donas das propriedades rurais: apenas 6% responderam que são responsáveis pela administração. A região com a maior porcentagem foi o Nordeste (57%), seguida pelo Sudeste (14%), Norte (12%) e Sul (11%).
Em busca de espaço
Na opinião de Sônia, essa baixa representação ainda acontece em associações, entidades e sindicatos agropecuários, nos quais sofrem da falta de acolhimento.
“Isso reflete uma cultura que tem o homem como provedor, mas que finalmente está começando a mudar. Fui convidada a uma cadeira da diretoria da Aprosoja-Goiás em 2018, devido à minha participação ativa e constante. Desde então, a presença feminina na associação aumentou muito. Assim, vamos fazendo um papel muito importante de abrir espaço e dar voz a outras mulheres”, destaca.
Reconhecida como um dos destaques do 1º Prêmio Mulheres do Agro, em 2018, na categoria Pequena Propriedade, Sônia está em seu 2º mandato na Associação de Produtores de Soja, Milho e Outros Grãos Agrícolas do Estado de Goiás (Aprosoja Goiás) e no grupo de mulheres da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Atualmente, entre os 300 associados do grupo, 90 são mulheres.
“Gosto muito de participar e levar nossos desafios para essas instituições. Só assim elas reconhecem os problemas que enfrentamos diariamente, dentro e fora da porteira. A participação feminina oferece um novo olhar do cenário e a compreensão que a responsabilidade do setor está em nossas mãos”, afirma Sônia.
Congresso Nacional das Mulheres no Agronegócio chega à sétima edição e acontece em outubro em São Paulo
Divulgação/ Congresso Nacional das Mulheres no Agronegócio
Participação ativa
Esse ganho de espaço também se reflete em eventos como o Congresso Nacional das Mulheres no Agronegócio (CNMA), que chega à sua sétima edição este ano.
Marcado para acontecer entre 26 e 27 de outubro em São Paulo, o encontro terá como tema “Coordenação das cadeias produtivas no agronegócio, a década decisiva” e vai reunir agricultoras, pecuaristas, cooperadas, profissionais da indústria e executivas.
Realizado pela 1ª vez em 2016 com 600 mulheres, em 2019, data da última edição presencial, o congresso teve 1,9 mil participantes. Para 2022, o objetivo é estender os debates para toda a América Latina, ultrapassando dois mil congressistas.
“Hoje existe uma grande rede de conexão entre as mulheres do agro de todo o país. Elas se encontram, se ajudam, formam grupos, cooperativas, trocam ideias e estão sempre tentando incentivar umas às outras. Além disso, o CNMA ajudou a criar uma rede de comunicação, que interligou cooperativas, grupos de mulheres de diferentes setores e estados brasileiros”, ressalta Carolina Gama, show manager do congresso.
Carolina acredita que o fortalecimento do evento ao longo dos anos demonstra a garra das mulheres para desafiar a desigualdade ainda existente no setor.
“O problema ainda é grande, principalmente no que se refere a condições salariais, de financiamento e acesso à tecnologia. Mas ver as mulheres do congresso me faz reviver o sentimento de que elas são guerreiras e nunca desistem”, garante.
Batalha contínua
De acordo com o estudo “Agroligadas”, divulgado em 2021, 64% das 408 mulheres entrevistadas disseram que a desigualdade de gênero continua sendo um desafio no campo. Em 2018, 78% tinham a mesma opinião.
Apesar da redução, essa percepção ainda é confirmada pelo Boletim da Agricultura Familiar. Os 30 milhões de hectares administrados por mulheres correspondem a apenas 8,5% da área total ocupada pelos estabelecimentos rurais no Brasil. Entre os 5 milhões de negócios agropecuários identificados no levantamento, elas são donas de 19%.
Apesar disso, entre as mulheres que afirmaram ainda sentir desigualdade, 79% acreditam que a situação é melhor do que há dez anos, como demonstra a produtora rural Andrea Silva Rodrigues Pelazzi. Ao se colocar atrás do volante de um caminhão, ela sente que tem o respeito dos colegas de profissão.
“Sinto que muitos homens me admiram ao me ver na estrada todo dia, fazendo entregas, indo ao Ceasa. Nós mulheres conquistamos nosso espaço e estamos em toda as áreas do campo, mostrando que não existe nada que não possamos fazer”, afirma.
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