Como irmãos provaram inocência após 25 anos presos por assassinato que não cometeram
George e Melvin DeJesus haviam sido condenados à prisão perpétua em 1997 pelo assassinato de uma mulher nos EUA. George e Melvin DeJesus, ao lado dos pais. Eles foram condenados injustamente à prisão perpétua em 1997
WMU-Cooley Law School Innocence Project/BBC
Dois irmãos que haviam sido condenados à prisão perpétua em 1997 pelo assassinato de uma mulher nos Estados Unidos foram libertados após 25 anos tentando provar sua inocência.
“Estou grato porque a verdade finalmente veio à tona. E espero que nossa família, assim como a família de Margaret (a vítima), possa finalmente curar essa ferida e colocar isso no passado”, disse George DeJesus, de 44 anos, em um reencontro emocionado com sua família.
“Eu sei que a justiça para mim e meu irmão também significa reabrir antigas feridas para a família da vítima. Estarei rezando por eles”, afirmou George, ao lado do irmão, Melvin, de 48 anos, que também foi libertado nesta semana.
Os dois provaram a inocência graças ao trabalho conjunto de duas equipes de estudantes de Direito que, sob a supervisão de professores e em colaboração com a procuradoria-geral do Estado de Michigan, conseguiram reabrir e reinvestigar o caso.
‘Estou grato porque a verdade finalmente veio à tona’, disse George DeJesus em reencontro emocionado com a família
WMU-Cooley Law School Innocence Project/BBC
O drama dos irmãos começou em 11 de julho de 1995, quando o corpo de Margaret Midkiff foi encontrado no porão da casa onde ela morava, em Pontiac, cidade de cerca de 60 mil habitantes no condado de Oakland, em Michigan.
A vítima estava nua, com uma fronha de travesseiro cobrindo sua cabeça e fios amarrando seu pescoço, pulsos e tornozelos.
Exames de DNA ligaram Brandon Gohagen à cena do crime. Mas, depois de um depoimento inicial em que não havia incriminado ninguém, Gohagen mudou sua versão dos fatos e disse que havia agredido a vítima sexualmente porque Melvin DeJesus estava apontando uma arma para sua cabeça e o obrigando a atacá-la.
Gohagen disse ainda que, após o ataque sexual, os irmãos DeJesus haviam amarrado e espancado a vítima até a morte.
Os irmãos DeJesus ao lado de alguns dos estudantes e advogados que trabalharam para reinvestigar seu caso e provar sua inocência
WMU-Cooley Law School Innocence Project/BBC
Álibi
Os irmãos sempre negaram qualquer envolvimento. Eles afirmavam que estavam em uma festa na data e horário do crime, álibi corroborado por testemunhas e apresentado no julgamento.
Também não havia nenhuma evidência física ligando os irmãos à agressão sexual ou ao assassinato, e testes de DNA nunca identificaram o DNA de nenhum dos dois na cena do crime.
Apesar disso, em 30 de dezembro de 1997 os irmãos foram condenados e sentenciados à prisão perpétua. Gohagen foi testemunha da acusação.
Em troca de seu testemunho, Gohagen entrou em um acordo para se declarar culpado de assassinato em segundo grau. Conforme a lei estadual em Michigan, essa categoria envolve um homicídio que não foi premeditado e foi cometido em conexão com outros crimes, como roubo, invasão domiciliar, abuso e sequestro, entre outros.
Gohagen também se declarou culpado de conduta sexual criminosa em primeiro grau. Ambos os crimes envolvem penas mais brandas do que a recebida pelos irmãos DeJesus.
Nas décadas em que ficaram presos, os irmãos sempre continuaram afirmando que eram inocentes. Mas eles só ganharam uma nova chance quando seu caso chamou a atenção de organizações que revisam condenações consideradas injustas.
George foi representado por Jessica McLemore e a equipe do Cooley Innocence Project da Western Michigan University. Melvin foi representado por David Moran e a equipe da Michigan Innocence Clinic, ligada à Universidade de Michigan.
Os irmãos DeJesus ao lado de alguns dos estudantes e advogados que trabalharam para reinvestigar seu caso e provar sua inocência
WMU-Cooley Law School Innocence Project/BBC
Ambas as organizações envolvem professores e estudantes de Direito que se dedicam a avaliar casos de presos que alegam inocência e dizem ter sido condenados por crimes que não cometeram.
Existe uma rede de organizações do tipo no país que, juntas, já garantiram a liberdade de 375 inocentes condenados injustamente, alguns deles após décadas na prisão.
Novas descobertas
No caso dos irmãos DeJesus, as duas organizações atuaram em colaboração com o gabinete da procuradora-geral de Michigan, Dana Nessel, e de sua Unidade de Integridade de Condenações, que revisa alegações de inocência por parte de condenados naquele Estado.
Depois da análise inicial das equipes das universidades, essa unidade da procuradoria-geral aceitou reinvestigar o crime. Várias testemunhas foram entrevistadas, e os novos investigadores revisaram documentos de décadas atrás.
Eles descobriram declarações de testemunhas feitas apenas semanas depois do crime e confirmando o álibi dos irmãos DeJesus. Também encontraram o que a equipe do Cooley Innocence Project descreve como “fatos preocupantes sobre Gohagen”.
Em 2017, graças a um teste de DNA de um caso antigo, Gohagen foi condenado à prisão perpétua pelo estupro e assassinato de outra mulher, em 1994, também no condado de Oakland. Esse crime, no qual ele agiu sozinho, tinha muitas semelhanças com o assassinato pelo qual os irmãos DeJesus haviam sido condenados.
Além disso, os novos investigadores descobriram outras 12 mulheres que disseram ter sido abusadas sexualmente, fisicamente e emocionalmente por Gohagen.
Uma das testemunhas entrevistadas disse ainda que Gohagen confessou que havia acusado os irmãos DeJesus em troca de um acordo (que permitiria que cumprisse uma pena mais branda).
“Um dos problemas nesse caso é que o verdadeiro culpado foi uma das principais testemunhas contra George de Melvin”, disse à BBC News Brasil uma das professoras da equipe do Cooley Innocence Project, Marla Mitchell-Cichon.
Segundo Mitchell-Cichon, uma das maneiras de evitar injustiças do tipo seria aprovar leis que limitem esse tipo de depoimento e que informem a defesa sobre acordos e promessas feitas pela acusação a esse tipo de testemunha, além de informações sobre outros possíveis crimes em que estejam envolvidas.
Libertação
Diante das novas evidências, a juíza Martha D. Anderson, do condado de Oakland, determinou que as condenações dos irmãos fossem revertidas e todas as acusações contra eles fossem descartadas.
“Quero pedir desculpas pelas ações tomadas contra vocês 25 anos atrás. Vinte e cinco anos de suas vidas foram roubados, e isso jamais poderá ser substituído”, disse Anderson.
“Espero que vocês possam encontrar algum consolo no fato de que poderão se reunir novamente com suas famílias e começar uma vida normal fora da prisão”, afirmou a juíza.
A diretora do Cooley Innocence Project, Tracey Brame, disse que a libertação dos irmãos, na terça-feira (22), foi um momento muito feliz, depois de uma luta de tantos anos.
“Agradecemos à procuradora-geral Dana Nessel e à equipe da Unidade de Integridade de Condenações por sua disposição em ouvir os irmãos e reinvestigar o caso. Hoje, George e seu irmão, Melvin, finalmente receberam justiça”, afirmou Brame.
Dave Moran, codiretor da Michigan Innocence Clinic, disse que sua equipe vai agora ajudar os irmãos a se reajustarem à nova vida em liberdade.
“Estamos muito felizes em saber que nosso cliente, Melvin DeJesus, e seu irmão, George, serão completamente inocentados desse assassinato, 26 anos depois de terem sido incriminados pelo verdadeiro culpado desse crime hediondo”, afirmou Moran.
Segundo Mitchell-Cichon, a condenação injusta não apenas prejudicou os irmãos, sua família e a família da vítima. “Nós, a sociedade, também não recebemos justiça, e muitas outras mulheres foram prejudicadas por causa desses erros”, salientou.
“Minha esperança é a de que esse caso sirva de exemplo sobre o que está errado com o nosso sistema de Justiça”, afirmou Mitchell-Cichon.g1 > MundoRead More