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O cirurgião de guerra que ajuda médicos a salvar vidas na Ucrânia

David Nott trabalhou em zonas de conflito em todo o mundo e agora ele compartilha toda a sua experiência na Ucrânia. David Nott operando na Síria
Syria Relief via BBC
No fim de abril, o cirurgião David Nott estava em Londres — muito longe da Ucrânia. Mas isso não o impediu de ajudar a salvar a perna de um homem que havia sido atingido por uma explosão no país devastado pela guerra.
Oleksandr, o médico que realizou a operação in loco, nunca havia feito o procedimento complicado antes. Porém, cerca de uma semana antes, ele havia visto o professor Nott demonstrar como era feita a operação dentro de um hospital ucraniano.
Oleksandr tirou uma foto da ferida com seu celular e a enviou para Nott, que recentemente voou de volta para o Reino Unido. O experiente cirurgião de guerra britânico confirmou que a operação era realmente necessária. E também enviou um vídeo ao colega ucraniano explicando como proceder.
“Eu estava bastante nervoso e foi uma cirurgia lenta, passo a passo, mas correu bem graças a David Nott”, relata Oleksandr.
Nott, que nasceu no País de Gales, já trabalhou em zonas de conflito em locais como Afeganistão, Iraque e Síria.
Cirurgião consultor do Hospital St Mary’s, em Londres, ele fez da Ucrânia seu destino mais recente em sua missão de treinar médicos a tratar as feridas de guerra.
Com a Rússia bombardeando cidades, os hospitais da Ucrânia estão atualmente recebendo muitos feridos após as explosões.
“Essa é a pior maneira possível de atacar, por meio de bombardeios”, diz o professor Nott, em sua primeira entrevista desde que voltou da Ucrânia. “Isso causa um dano enorme e está por trás de ferimentos terríveis.”
Os ferimentos são causados, em geral, por estilhaços que atingem tecidos moles, ossos e membros inteiros.
David Nott trabalhou em zonas de conflito em todo o mundo
Getty Images via BBC
A própria onda de choque causa grandes danos, explica o médico. O “vento forte” que sucede a explosão é capaz de amputar membros. Ser jogado contra edifícios também pode provocar traumas de grande extensão.
O barotrauma — lesão física causada por mudanças na pressão durante uma explosão — é uma preocupação particular por causa do uso de armas termobáricas pela Rússia, também conhecidas como bombas de vácuo.
Esses armamentos podem causar sangramentos no cérebro e nos pulmões, fazendo com que as vítimas tussam sangue. Eles também são capazes de estourar os tímpanos e perfurar os intestinos.
O que é a bomba termobárica, arma que Rússia pode ter usado na Ucrânia
Embora ele diga que esteve em toda a Ucrânia — “norte, leste, sudeste, oeste” — Nott não quer falar sobre os hospitais ou áreas específicas que visitou, por medo de que as forças russas os ataquem — e, por esse mesmo motivo, a BBC não está usando o nome completo ou a localização exata de Oleksandr, citado no início da reportagem.
Durante a guerra na Síria, o cirurgião britânico usou uma conexão via Skype de seu escritório em Londres para orientar em uma operação na cidade de Aleppo. Dias depois, o mesmo hospital foi bombardeado. Ele diz que nunca saberá se os dois fatos (a conexão por videochamada e o ataque) estão ligados.
Agora, o professor calcula que 115 hospitais na Ucrânia já foram bombardeados pela Rússia.
“Explodir hospitais e matar médicos também se configura como uma verdadeira arma de guerra, e é algo simplesmente desprezível”, diz.
Enquanto estava na Ucrânia, Nott levou o maior número possível de médicos para as salas de operação para vê-lo realizar operações em lesões típicas de zona de guerra, incluindo preenchimento de buracos em membros, enxertos de pele e cobertura de ossos expostos em fraturas.
Mas a missão, uma ação combinada entre a própria Fundação David Nott e o grupo humanitário UOSSM International, não terminou quando o cirurgião deixou o país. Logo depois, ele acabaria aconselhando Oleksandr remotamente antes de uma complicada operação na perna, como explicado mais acima.
O procedimento envolvia tirar um retalho da pele localizada atrás do joelho de um paciente para fechar uma ferida e evitar que a infecção entrasse devido a um osso fraturado exposto.
“São operações muito difíceis e que, quando dão errado, causam problemas”, diz Nott.
Mas, apesar desses desafios, o resultado final foi “milagroso”, continua. “A cirurgia funcionou muito bem.”
Oleksandr conta que foi importante ter o conselho de alguém com experiência prática no assunto. “É um alívio para nós quando ele nos diz que vai ficar tudo bem.”
O médico ucraniano enche Nott de elogios ao dizer que ele mostrou “como médicos comuns podem lutar na linha de frente”.
Oleksandr diz que saber como realizar esses tipos de procedimento é “muito necessário em nossa situação”, porque há várias lesões de bombardeios e fraturas expostas que precisam ser tratadas.
Nott, por meio de sua instituição de caridade, traduziu para o ucraniano vários slides e vídeos sobre como tratar feridas de guerra “que foram para o maior número possível de celulares dos médicos”.
Ele também espera que profissionais como Oleksandr transmitam adiante aquilo que aprenderam. “Ele treinará outras pessoas como fazer esses procedimentos, que vão compartilhar o conhecimento com mais pessoas, até que muitos saibam como fazer”, acredita.
Infelizmente, parece que a demanda por essas habilidades cirúrgicas na Ucrânia não vai acabar tão cedo.
No início deste mês, o ministro das Relações Exteriores do país disse que as batalhas na região leste de Donbas se assemelhariam à Segunda Guerra Mundial, com o uso de “milhares de tanques, veículos blindados, aviões e artilharia”.
Para Nott, as cenas que vêm de cidades como Mariupol lembram o que ele testemunhou anteriormente em Aleppo.
Foto de arquivo de uma sala de operações na Ucrânia que não está à missão de David Nott
Getty Images via BBC
“É exatamente o mesmo que a Síria, com as mesmas táticas”, compara.
“Quando eu estava em Aleppo em 2016, o lugar foi completamente arrasado e totalmente destruído.”
Oleksandr diz que agora está tratando “ferimentos horríveis” que nunca esperava ver.
“Gostaríamos de tratar traumas normais, como vovós e vovôs que precisam de próteses articulares, fraturas comuns…”, conta. “Estamos fazendo nosso trabalho dia após dia e, aconteça o que acontecer, ficaremos aqui e faremos o que precisa ser feito.”
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