Vínculos com Putin testam Orbán nas eleições de domingo na Hungria
Primeiro-ministro de extrema direita tenta o quarto mandato consecutivo fazendo jogo duplo entre Ocidente e Rússia. O primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orban, em imagem de arquivo
Andrej Isakovic/AFP
Fiel aliado de Vladimir Putin, o premiê húngaro, Viktor Orbán, tenta obter o quarto mandato consecutivo no domingo com a destreza de um malabarista, dando apoio ao Ocidente em sua cruzada em favor da Ucrânia, sem, de forma alguma, fechar a porta ao seu benfeitor. Há 12 anos no cargo, o primeiro-ministro de ultradireita, líder do Fidesz, enfrenta a eleição mais acirrada. Depois que a guerra russa estourou na Ucrânia, ele encena um jogo duplo em benefício próprio.
Orbán ainda é o favorito, mas, pela primeira vez, a oposição, reunida em seis partidos ideologicamente opostos e liderada pelo conservador Péter Márki-Zay, tem a chance de desbancá-lo. A vantagem do premiê varia de 3 a 5 pontos sobre o concorrente, segundo as pesquisas.
Ele vem governando a Hungria com maioria absoluta e em desacordo com a União Europeia, por enfraquecer permanentemente o estado de direito, com grave cerco ao Judiciário, à imprensa livre e à comunidade LGBTQ+.
A contrapartida veio em forma de castigo. O bloco congelou fundos comunitários destinados à Hungria para a recuperação econômica dos efeitos da Covid-19, desgastando Orbán junto à opinião pública.
A guerra de Putin na Ucrânia parece ter ajudado o premiê a resgatar pontos com Bruxelas. Ferrenho opositor do fluxo de imigrantes africanos e do Oriente Médio, ele levantou uma cerca na fronteira durante a onda migratória de 2015 e, na época, fez dobradinha com a Polônia e vetou a redistribuição de refugiados, por cotas, pela Europa.
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O premiê mudou o discurso e, agora, abriu as portas aos ucranianos, a quem qualificou de irmãos dos húngaros. Aparentemente, Orbán foi enquadrado pelo bloco europeu, votando a favor das sanções econômicas à Rússia e condenando a guerra. Não permitiu, porém, o trânsito de armas em território húngaro com destino à Ucrânia.
A retórica suavizou, mas ele se manteve focado em seus interesses. Uma reportagem publicada esta semana pelo jornal britânico “The Guardian” mostrou que o premiê de extrema direita inflou o número de refugiados para obter financiamento europeu. O jornal cita o Comitê Húngaro de Helsinque, uma ONG de direitos humanos dedicada a ajudar refugiados, que classifica de enganosas as estatísticas apresentadas pelo governo húngaro de que teria recebido 450 mil ucranianos.
O assessor jurídico da ONG, András Léderer, esclarece que até 22 de março apenas 4.444 pessoas solicitaram proteção temporária à Hungria, num indício de que os refugiados utilizam a fronteira apenas como rota de passagem para outros destinos.
Orbán escreveu à presidente da Comissão Ursula Von der Leyen, pedindo que desbloqueie fundos europeus, estimados em € 7 bilhões, para que possa lidar com a crise de refugiados ucranianos. Até agora, não obteve resposta.
A ajuda da Hungria à Ucrânia ainda é tímida. Tanto que o premiê levou uma chamada do presidente Volodymyr Zelensky, em seu pronunciamento ao Parlamento Europeu. “Viktor, você sabe o que está acontecendo em Mariupol? Assassinatos em massa podem acontecer novamente no mundo de hoje e é isso que a Rússia está fazendo. De uma vez por todas, você tem que decidir com quem está.”
O estilo autocrata de Orbán, disfarçado num modelo que ele chama de democracia iliberal, inspira outros populistas de direita, como o presidente Jair Bolsonaro, a quem recebeu no mês passado em Budapeste.
O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, e o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, reuniram-se em Budapeste no dia 17 de fevereiro de 2022
Attila Kisbenedek/AFP
A proximidade com Putin o isolou na Europa. A guerra afastou a Hungria da Polônia, seu melhor parceiro nas desavenças com a UE, mas inimiga da Rússia. Dominou também a campanha na Hungria. A oposição destaca os vínculos do premiê com Moscou e faz campanha pró-Ucrânia e pró-Ocidente. Orbán contra-ataca dizendo que seus adversários vão mandar soldados para a Ucrânia. Falta saber até que ponto a guerra de Putin impactará o voto húngaro no domingo.g1 > MundoRead More