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‘Sei que prevalece a vontade de diálogo e encontro’, diz Boric após Chile rejeitar nova Constituição

Neste domingo (4), chilenos votaram em plebiscito e rejeitaram, por ampla margem, a proposta de nova Constituição. O presidente do Chile, Gabriel Boric, em uma entrevista coletiva após a votação do plesbicito sobre o projeto de Constituição, em Punta Arenas, Chile, no último domingo, 4 de agosto.
AP Photo/Andres Poblete
A derrota contundente nas urnas do projeto de nova Constituição no Chile levou o presidente Gabriel Boric a anunciar “ajustes imediatos” em seu governo e a pedir a construção de pontes com a oposição no Congresso a partir desta segunda-feira (5), quando o país desperta do choque eleitoral.
“Além das legítimas divergências, sei que prevalece a vontade de diálogo e encontro”, disse Boric em um discurso à nação após a apuração dos votos do plebiscito, com vitória de 61,8% para a rejeição da nova Constituição, contra 38% a favor.
Boric defendia a nova Constituição. Ainda antes da votação, ele afirmou que, independentemente do resultado do plebiscito, pediria “unidade nacional” em um exercício com “mais democracia” para superar as fraturas sociais.
“Hoje o Chile mostrou-se exigente e confiante na democracia. Todos temos de cumprir este mandato. Por isso, convido de coração a todos os cidadãos, independentemente da opção que cada um tenha tomado no plebiscito de hoje, a abordarmos juntos e unidos a construção do futuro”, acrescentou o presidente.
Com apenas 36 anos, Boric, que assumiu a presidência em março apostando no triunfo do “Aprovo” por uma mudança constitucional, antecipou que para “enfrentar os importantes e urgentes desafios serão necessários ajustes imediatos em nossas equipes de governo, para enfrentar este novo período com brio renovado”.
Na eventual mudança de gabinete um dos nomes mais citados é de Izkia Siches, ministra do Interior.
Mais de 13 milhões de eleitores de um total de 15,1 milhões participaram na consulta, que representou um duro revés para o governo e um novo impulso para a direita chilena, cuja liderança política reapareceu assim que os resultados foram anunciados.
Como havia antecipado há algumas semanas, Boric se comprometeu de imediato a estimular um novo processo constituinte que ficará nas mãos do Congresso.
Opositores da nova Constituição comemoram nas ruas os resultados do plebiscito.
AP Photo/Matias Basualdo
“O povo chileno não ficou satisfeito com a proposta de Constituição que a Convenção apresentou ao Chile e, portanto, decidiu rejeitá-la de maneira clara nas urnas”, disse Boric, que convocou todas as forças políticas para um diálogo, deixando para trás “maximalismos, violência e intolerância”.
Apesar de terem ratificado a vontade de prosseguir com o processo constituinte, os líderes da coalizão de direita “Chile Vamos” se recusaram a comparecer à primeira reunião convocada pelo presidente, considerando que o resultado foi um “derrota do governo”. E o grupo pretende condicionar qualquer negociação.
“Que não reste dúvida que este triunfo do ‘Rejeito’ é um fracasso do presidente Gabriel Boric e de todo seu governo. Presidente Gabriel Boric, esta derrota também é a sua derrota”, afirmou o ex-candidato presidencial de extrema-direita José Antonio Kast.
Processo mal avaliado
O resultado eleitoral chileno, antecipado pelas pesquisas, mas nunca por uma margem tão ampla, também representa algo raro na história dos processos constituintes organizados por representantes eleitos pelo voto popular, que geralmente são aprovados.
O voto contra a nova Constituição venceu em todo Chile, inclusive nas penitenciárias, e apenas entre os 100.000 chilenos registrados para votar no exterior a opção “Aprovo” foi vencedora.
Dos 346 distritos eleitorais do país, em apenas oito foram registradas vitórias do “Aprovo”, que sofreu derrotas difíceis de assimilar nas regiões mais pobres do país, incluindo Araucanía, onde a população é majoritariamente indígena, e em locais afetados por problemas de abastecimento de água ou pela poluição das indústrias, temas que foram considerados entre normas e direitos no projeto constitucional.
“O processo constituinte pesou muito para os cidadãos. Mais do que o resultado, o texto em si, o que as pessoas vinham avaliando mal há várias semanas era a maneira como se desenvolveu o processo”, explicou à AFP Marco Moreno, cientista político da Universidade Central do Chile.
De acordo com o professor, “os excessos, os posicionamentos de lógicas identitárias que tentavam ser impostos ao restante da sociedade e a própria conduta de muitos terminaram por gerar uma visão negativa nas pessoas de que se o processo foi ruim, na realidade o texto não poderia ser algo diferente”.
Um defensor da nova Constituição senta-se na calçada enquanto ouve os resultados parciais do plebiscito.
AP Photo/Cristobal Escobar
A organização do referendo sobre uma nova Carta Magna, após a grande revolta social de 2019 para pedir mais justiça social, teve o apoio de quase 80% dos eleitores que votaram em um plebiscito em outubro de 2020 para iniciar o processo constituinte.
O projeto destacava a “plurinacionalidade” indígena e estabelecia uma nova série de direitos sociais na saúde, aborto, educação e Previdência, com uma ênfase para o meio ambiente e proteção de novos direitos, mas com a manutenção da economia de mercado.
“O presidente convocou uma reunião inicial e será preciso ver quem comparece a esta reunião e com que atitude chegam (…) Estamos diante de um cenário incerto no qual a direita está melhor posicionada”, declarou à AFP Cecilia Osorio, professora na Faculdade de Governo da Universidade do Chile.
Veja abaixo algumas definições que foram consideradas polêmicas pelos chilenos:
Fim do Senado – A Constituição vigente divide o Congresso entre a Câmara dos Deputados e o Senado. Este último pode aperfeiçoar o trabalho dos deputados. A proposta de Constituição elimina o Senado e cria duas Câmaras de poder “assimétrico”: um Congresso de Deputados para a formulação de leis e uma Câmara das Regiões só para as leis referentes a acordos regionais, sem o peso que o Senado atual teve até agora.
Sistemas de Justiça indígenas – a Constituição de 1980 não faz referência nenhuma aos povos originários. O novo texto propõe autonomia para os indígenas reconhecendo 11 povos e nações, mas não permite atentar contra o caráter “único e indivisível” do Estado do Chile. Entre os pontos mais polêmicos está o reconhecimento dos sistemas jurídicos indígenas, mas com a ressalva de que os mesmos devem respeitar a Constituição, tratados internacionais e que a Corte Suprema terá a última palavra.
Igualdade de gênero – A proposta de Constituição define o Chile como uma democracia paritária, na qual as mulheres ocuparão pelo menos 50% dos cargos nos poderes e órgãos do Estado.
Aborto – A Constituição de 1980 protege a vida de quem está para nascer. No novo texto, foi incluído o direito à interrupção voluntária da gravidez.
Plano de saúde – Hoje, todos os trabalhadores formais devem, obrigatoriamente, destinar 7% de seu salário para a saúde. É possível optar por um plano totalmente privado, mas esse pagamento mensal muitas vezes não cobre totalmente as despesas acarretadas por uma enfermidade. A proposta estabelece que as despesas obrigatórias em saúde sejam 100% destinadas ao sistema público. As pessoas também serão livres para contratar um plano privado.
Aposentadorias – desde a Constituição de 1980, as aposentadorias dependem de aportes exclusivamente do trabalhador em fundos de pensões privados que pagam aposentadorias abaixo do salário mínimo de US$ 400 dólares e são 60% menores do que o último salário. A proposta propõe um Sistema de Previdência Social público, financiado por trabalhadores e empregadores.g1 > MundoRead More

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