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30 anos sem Senna: aquele 1º de maio na visão de um fã de 10 anos

30 anos sem Senna: aquele 1º de maio na visão de um fã de 10 anos

Um relato de como vivi aquele dia trágico para o esporte brasileiro e os impactos na minha vida O que vocês vão ler neste texto aqui no Voando Baixo não é a visão de um jornalista sobre os acontecimentos do dia 1º de maio de 1994. Não é a ideia. Na época, eu era uma criança de 10 anos, apaixonada por automobilismo desde muito cedo e que tinha Ayrton Senna como ídolo. Vou tentar transportá-los para aqueles dias na visão de um fã. Que, 30 anos depois, ainda lembra com detalhes daquela época. Daquele trágico fim de semana.
Como explicar a morte para uma criança de apenas 10 anos? Como, sendo essa criança, entender a morte? Uma morte que aconteceu ao vivo, em uma manhã de domingo, na sala da casa dela? E com um agravante: a morte de um ídolo de toda uma geração, que era a grande inspiração daquela criança? Vocês têm ideia do quão penoso era esse cenário para uma família em meados dos anos 1990? Pois é, eu passei por tudo isso naquele 1º de maio de 1994. Um dia que poderia, tranquilamente, não ter amanhecido. Não ter acontecido daquela forma. Evitaria toda aquela tristeza. Mas, infelizmente, o mundo não funciona assim.
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Só que, antes de falar especificamente daquele fim de semana, preciso dar contexto a este relato. Nasci em 25 de janeiro de 1984, coincidentemente no ano em que Ayrton Senna estreou na Fórmula 1 com a Toleman, em uma família que gostava muito de esportes. Contudo, ao contrário da maioria das crianças no Brasil, meu primeiro contato não foi com a paixão nacional, o futebol. O automobilismo foi minha primeira paixão. Tudo porque minha mãe, que era fã do francês François Cevert no início dos anos 1970, começara a acompanhar a carreira do jovem Senna na F1. E lá fui eu, aos quatro anos, acordar nas manhãs de domingo para assistir às corridas na TV. Desde então, nunca mais perdi uma.
A primeira temporada que eu acompanhei terminou com o primeiro título de Ayrton Senna na Fórmula 1, em 1988. No ano seguinte, fui pela primeira vez a um autódromo. Passei quase todo o mês anterior ao GP do Brasil, disputado em 26 de março de 1989, indo ao saudoso autódromo de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, acompanhar os famosos testes de pneus. Vi quase todos os pilotos que eu admirava de perto – Senna, inclusive. Na corrida, estava na arquibancada do fim da reta oposta, em frente à Curva Sul. O então campeão se envolveu em um acidente logo na largada e terminou apenas em 11º, duas voltas atrás. A vitória foi de Nigel Mansell, da Ferrari, com Alain Prost, da McLaren, o grande rival de Senna, em segundo. E o brasileiro Maurício Gugelmin, da March, levantou as arquibancadas com seu primeiro pódio na categoria, em terceiro.
Ayrton Senna acelera a McLaren no fim de semana do GP do Brasil de 1989, em Jacarepaguá
Pascal Rondeau/Getty Images
A paixão pelo automobilismo me fez aprender a ler mais cedo que o normal. Meu saudoso avô foi o responsável por isso. Todos os dias, ele abria o caderno de esportes do jornal “O Globo” e, com enorme paciência, ajudava àquela criança a se atualizar sobre tudo, em especial sobre Ayrton Senna e a Fórmula 1. Foi tão importante que ajudou, inclusive, na minha formação: pude pular uma série no colégio e, anos mais tarde, me formar mais cedo no 2º grau (atual Ensino Médio). Das leituras em português, pulei para as em inglês. As revistas inglesas me ajudaram a entender uma segunda língua e a me familiarizar com termos dos quais eu seria íntimo quando adulto, já no meu trabalho com automobilismo.
Indiretamente, todo o sucesso que consegui nestes 19 anos de carreira, tem a participação de Ayrton Senna. Cheguei a tentar correr de kart quando criança, mas os custos proibitivos e dolarizados para uma família de classe média em um país que vivia em crise econômica, frearam esse intuito. Fui por outro caminho – admirava Galvão Bueno e Reginaldo Leme (e, mais tarde, meu atual companheiro de comentários Luciano Burti – fato que me honra muito, diga-se de passagem). Queria muito ser o Regi. Como escrevia e falava bem, resolvi ir para o jornalismo. Melhor escolha não houve – anos mais tarde, passei a trabalhar diretamente com os três – nas transmissões de F1 na TV Globo. Além disso, fiquei amigo deles. E não é que aquele criança fã de automobilismo realizou uma enorme parte de seus sonhos? Confesso que, ainda hoje, é difícil de acreditar.
Ayrton Senna acelera na chuva durante seu show no GP da Europa de 1993, em Donington Park
Norio Koike/Instituto Ayrton Senna
Contudo, não concretizei tudo o que sonhava. Até porque é impossível. O dia 1º de maio de 1994 me tirou a chance de cobrir Ayrton Senna profissionalmente. Acompanhei aquele fim de semana apenas como um fã. Comecei a trabalhar 11 anos depois disso. Escrevi e produzi matérias com inúmeros ídolos do automobilismo: Emerson Fittipaldi, Nelson Piquet, Michael Schumacher, Lewis Hamilton, Niki Lauda, Sebastian Vettel, Fernando Alonso, Felipe Massa, Rubens Barrichello, Felipe Nasr… Contudo, faltou Senna. Por outro lado, alguns de meus maiores êxitos no jornalismo foram com artigos envolvendo a família Senna. Guardo com muito carinho a matéria que me lançou no mercado e alavancou minha carreira, ainda pela revista A+ do diário Lance!: um perfil de Bruno Senna, quando pouca gente ainda conhecia o sobrinho do tricampeão.
Uma criança e o dia 1º de maio de 1994
Ayrton Senna abre a sétima volta do GP de San Marino de 1994, pouco antes do acidente
Paul-Henri Cahier/Getty Images
Escrevi tudo isso para dar contexto ao que vou contar agora. Lembrando, tinha 10 anos de idade no dia do acidente na curva Tamburello. Foi um fim de semana que marcou minha vida – para o bem e para o mal. Perdi meu ídolo de infância. Por outro lado, ali tive certeza que era apaixonado por automobilismo. Ao contrário de vários brasileiros, não parei de ver corridas por causa da tragédia. 15 dias depois de Imola, estava na frente da TV para ver o GP de Mônaco. Tem coisas que não se explicam.
Até aquele fim de semana de 1994, nunca tinha visto uma morte sequer na Fórmula 1. O mais perto disso foi o horrível acidente do irlandês Martin Donnelly, com uma Lotus, em 1990, no Circuito de Jerez de la Frontera, na Espanha. Mesmo muito ferido, ele escapou com vida. E até voltou a pilotar em outras categorias anos depois. Por isso, a imagem do austríaco Roland Ratzenberger recebendo massagem cardíaca após o forte acidente na curva Villeneuve me impressionou muito. Depois, outro baque: a confirmação da morte do piloto da Simtek. Era algo inédito para toda uma geração de fãs de F1. Como criança, demorei a processar tudo aquilo. E só iria entender na marra, no dia seguinte. Infelizmente.
Aos 2 anos, em um brinquedo que simulava a Lotus preta e dourada de Ayrton Senna
Arquivo pessoal
Lembro perfeitamente de todo aquele dia 1º de maio de 1994. Estava em Saquarema, cidade da Região dos Lagos no Rio de Janeiro, na casa que meus pais tinham. Acordei cedo, tomei café e, pouco antes das 9h, estava na frente da TV para assistir ao GP de San Marino. Apreensivo, claro, mas torcendo para que tudo desse certo. Em vão. Logo na largada, um acidente entre JJ Lehto, que ficou parado na largada, e Pedro Lamy, feriu gravemente quatro torcedores. A sétima volta, contudo, seria uma pancada ainda mais forte. Na liderança da corrida, Ayrton Senna escapa na curva Tamburello e acerta o muro. A ficha demorou a cair. Notei a gravidade do acidente só quando a equipe médica chegou para tirar Senna do carro. O atendimento. O sangue no chão. A ambulância. O helicóptero médico. A remoção. O que pensar nessa hora? Como reagir?
Em 2008, visitei Donington Park e o monumento em homenagem a Ayrton Senna e Juan Manuel Fangio
Arquivo pessoal
Fiquei meio anestesiado. Assisti à corrida até o fim. Fiquei ligado na TV para saber mais informações sobre o estado de saúde dele. A cada boletim, a realidade dava uma pancada forte. Minha família saiu para almoçar. No carro, procurava alguma estação de rádio que informasse algo. Em vão. No restaurante, que tinha uma pousada anexa, havia uma televisão. Quando cheguei no local, ouvi a música da vinheta do plantão da Globo. De Bolonha, Roberto Cabrini dava a “notícia que ninguém gostaria de dar”: Ayrton Senna havia morrido pouco tempo antes.
A pancada derradeira naquela criança de 10 anos que ainda tentava processar tudo o que estava acontecendo. Sentei no sofá em frente àquela TV e fiquei olhando para o nada. Em seguida, desabei. Chorei de soluçar. Fato que se repetiu ao longo da tarde e dos dias seguintes, acompanhando toda a cobertura da morte, do velório e do funeral. Não queria ir para a escola. Não queria fazer mais nada. Poucas vezes chorei com alguma coisa ligada a qualquer esporte. Essa, sem dúvida, foi a mais marcante. A mais devastadora. A mais impactante. Ayrton Senna, meu ídolo, não estaria mais presente nas manhãs de domingo. Nunca mais.
Em 2008, visitei Donington Park e vi a famosa McLaren MP4/8 de 1993
Arquivo pessoal
Como disse no início desta parte do texto, continuei a assistir às corridas de Fórmula 1. Vi o auge de Michael Schumacher, além das ascensões de Fernando Alonso, Lewis Hamilton, Sebastian Vettel e Max Verstappen. Mas minha relação com a categoria já era diferente. Passou a ser profissional, embora o fã de automobilismo nunca tenha morrido dentro de mim. Como jornalista, pude estar em circuitos marcantes da carreira de Ayrton Senna, como Donington Park, Silverstone, Imola, Nürburgring e, claro, Interlagos. Pude notar o quão ele foi grande para o automobilismo. Até hoje é lembrado pelos fãs. Muita gente que sequer o viu correr.
Legado. E se eu estou aqui hoje, trabalhando com o esporte pelo qual sempre fui apaixonado, é muito por causa do que Ayrton Senna fez em sua laureada carreira. Ele causou um impacto duradouro na vida de muita gente. Dá para ver isso na quantidade de pessoas que fizeram questão de ir às ruas de São Paulo se despedir dele nos dias do velório e do enterro em 1994. E do quanto ele é lembrado até hoje. Do quanto emociona falar – ou escrever – sobre seus feitos dentro das pistas. Só quem viveu aquela época pode mensurar este impacto. Confiem, foi enorme.
Em 2019, com a famosa McLaren MP4/4 no Autódromo José Carlos Pace, em Interlagos
Arquivo pessoal
Ano passado, finalmente eu consegui prestar uma homenagem ao visitar o túmulo dele no cemitério. Enfim, o fã se reencontrou com o ídolo. Contei um pouco dessa experiência aqui mesmo no Voando Baixo, em um texto extremamente sincero (leia aqui). Despertou emoções que há muito estavam adormecidas. Não sei se vocês acreditam nessas coisas, mas senti uma energia muito forte. Inexplicável mesmo.
Em 1989, com o famoso boné azul de Ayrton Senna no extinto Kartódromo de Jacarepaguá
Arquivo pessoal
Enfim, neste dia que marca os 30 anos sem a presença de Ayrton Senna por aqui, só tenho uma coisa mais a dizer para encerrar este texto.
Obrigado, Ayrton. Muito obrigado.
Em 2014, cobri uma homenagem nos 20 anos da morte de Ayrton Senna em Imola
Arquivo Pessoal
Perfil Rafael Lopes
Editoria de Arte/GloboEsporte.com geRead More

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