O cenário apocalíptico que tornou os campeonatos estaduais atrativos

Sem tempo para explicações, ano começou animado em diversos estados Talvez o autor do blog esteja sendo precipitado e exagerado? Provavelmente sim. Mas anda no mínimo divertido ver tantos clubes de Série A ocupando as partes inferiores das tabelas dos campeonatos estaduais pelo Brasil.
Tirando todo o contexto da frente, não deve haver um único brasileiro realmente insatisfeito com algumas das grandes camisas do futebol brasileiro sofrendo para conquistar pontos contra algumas antigas importantes camisas há muito decadentes, ou outras pequenas camisas sazonais de sempre.
Os campeonatos estaduais começaram num ritmo alucinante e há quem já esteja sonhando com fases finais sem nenhuma potência local, por pura graça. Talvez não interesse muito às federações e aos patrocinadores, é verdade, mas desmantelo e herança só presta grande.
Se “o futebol vive de galhofa”, como anotou Rodrigo Capelo em recente coluna, contexto demais nos tira toda a graça possível. Às vezes a gente não quer verdades, a gente só quer sonhar sem incômodos.
Tenho grudada na geladeira uma tirinha da Mafalda em que a garotinha esperta criada pelo argentino Quino brinca empolgada em um balanço de parquinho. Na hora de frear o movimento, o sorriso some e vem a cara de tristeza: “como siempre, apenas uno pone los pies en la tierra se acaba la diversion”.
Infelizmente, o futebol exige contexto. Toda essa graça dos estaduais durará até o momento em que os maiores poderão colocar seus times principais em campo, atropelarão os adversários das últimas cinco rodadas e se classificarão como sempre.
Aqueles poucos que fracassarem lançarão a carta de que estaduais não vale mais nada (com razão – exceto pela classificação para a Copa do Brasil, o que não é pouca coisa); os que passarem levarão os clássicos decisivos à vera pelo orgulho do torcedor (com razão também – e os jogadores correrão por um bicho que obviamente não virá da premiação inexistente dos estaduais).
Nada que faça muito sentido, mas essa é talvez a décima fase de um longo processo de improvisação dos campeonatos estaduais, hoje em um cenário apocalíptico de calendário inconciliável. Já reduziram os participantes, já invocaram regulamentos dos mais criativos, já encurtaram as datas, já permitiram a inscrição de dois elencos inteiros para uma só competição… Em 2025 lançaram mão das famigeradas “rodadas de estreia em período de pré-temporada”.
Tem clube treinando na Europa, tem clube jogando nos Estados Unidos, tem jogador pesadinho das festas, tem torcedor com preguiça de ir ao estádio e tem jogo sendo levado para outras localidades para a atração de públicos pífios – porque, com contexto, o torcedor fica sabendo que se trata de um time alternativo, mesmo que o ingresso tenha preço de time principal. E porque o verão demanda racionalidade financeira.
Os otimistas veem tudo isso como uma jogada derradeira da CBF, uma forçação de barra para que as próprias federações admitam que é preciso uma reformulação absoluta do calendário. A questão é que a CBF em si não tinha muito o que fazer: nos próximos seis anos, ao menos 30 dias no meio do ano estarão congestionados com competições internacionais que exigem a paralisação do campeonato nacional. Falta tempo para tanto jogo.
Os pessimistas veem no cenário apocalítico-porém-divertido a manutenção de um sistema de favorecimento político onde federações estaduais ganham as suas parcas datas, justificam suas existências e sustentam o grupo do poder no poder. É um fato, mas não dá para descartar que a bagunça atual é uma tragédia inédita dentre as tantas tragédias recentes dos estaduais.
Há algum tempo o autor desse blog vem defendendo uma proposta de reformulação do sistema de competições do futebol brasileiro. Há um ano o texto “Por um novo Campeonato Estadual: propostas lógicas para o futebol brasileiro” trouxe uma ideia.
O leitor está convidado a conferir em maiores detalhes a proposta no link. Em resumo, se entende que as federações deveriam passar a se responsabilizar por um torneio na base da pirâmide nacional, uma “Série E”, totalmente jogada dentro dos estados. O “campeonato estadual”, de fato, seria jogado em pouquíssimas datas, com os melhores clubes locais de toda a pirâmide – e para jogá-lo, seria preciso levar a “Série E” a sério.
Essa proposta causou polêmica, também agradou alguns, mas nunca passou muito de um sonho sem todo um contexto. Seria preciso superar muita coisa para praticar uma reformulação dessas proporções, tarefa que não parece contar com pretendentes ao protagonismo. Então a gente sonha.
De todo modo, as questões políticas que trancam o futebol brasileiro não se resumem às federações. Estamos no país que, faltando dois meses para o início do campeonato nacional, ainda não definiu onde o torcedor vai assistir aos jogos. Porque também foi o país que na tentativa de criar uma liga, acabou por criar dois blocos, que ainda se chamam de liga e só enganam quem também abriu mão dos contextos.
E vamos lá para mais uma era dentro de um modelo que nem agrada quem tem jogo demais e tampouco ajuda quem tem jogo de menos. geRead More