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A Alemanha quer se afastar da China e repensar décadas de livre-comércio?

A Alemanha quer se afastar da China e repensar décadas de livre-comércio?

A Alemanha iniciou uma reavaliação profunda de sua relação econômica com a China, sinalizando um afastamento gradual do modelo de livre-comércio irrestrito que marcou as últimas décadas. O movimento reflete uma mudança estrutural no equilíbrio global e uma crescente pressão sobre a indústria alemã, que enfrenta concorrência direta de empresas chinesas em setores historicamente dominados por Berlim. As informações são do The Wall Street Journal.

Durante anos, a parceria entre os dois países foi considerada simbiótica. A Alemanha exportava máquinas, equipamentos e tecnologia industrial, enquanto a China produzia bens de consumo em larga escala para o mercado global. Esse arranjo garantiu crescimento e competitividade, mas começou a se desfazer à medida que empresas chinesas passaram a dominar áreas como máquinas industriais, produtos químicos, equipamentos elétricos e automóveis.

Montadora chinesa na Feira Internacional do Automóvel da Alemanha, em Frankfurt (Foto: WikiCommons)

A resposta do governo do chanceler Friedrich Merz inclui o endurecimento de regras para componentes chineses em redes de dados móveis, apoio a cláusulas de “compra europeia” em licitações públicas e a defesa de setores considerados estratégicos, como siderurgia e minerais críticos. A criação de um Conselho de Segurança Nacional reforçou a preocupação com dependências econômicas e tecnológicas.

O contexto internacional acelerou essa inflexão. As tarifas impostas pelos Estados Unidos redirecionaram uma grande quantidade de produtos chineses baratos para a Europa, pressionando ainda mais a indústria local. Como resultado, a Alemanha, tradicional defensora do liberalismo econômico, passou a admitir tarifas, barreiras regulatórias e instrumentos de defesa comercial antes vistos com reservas.

Os impactos já aparecem nos números. As exportações alemãs para a China caíram de forma significativa desde 2019, enquanto as importações cresceram, ampliando o déficit comercial. Setores industriais perderam participação no mercado global e empregos, especialmente na indústria automotiva e química. Regiões industriais relatam dificuldades para manter margens de lucro diante da concorrência chinesa subsidiada.

Entidades empresariais que antes defendiam a aproximação com Beijing agora pressionam por medidas mais duras. Federações industriais passaram a classificar a China como concorrente sistêmico e defendem investigações antidumping e sanções contra práticas consideradas desleais. O argumento central é que o livre-comércio só funciona quando há reciprocidade.

Apesar da mudança de tom, o rompimento não é total. Empresas fortemente expostas ao mercado chinês seguem investindo no país, e autoridades alemãs observam com cautela a postura dos aliados ocidentais. O receio de uma dependência excessiva dos Estados Unidos também influencia as decisões estratégicas de Berlim.

Especialistas avaliam que a Alemanha busca reduzir riscos, e não promover um desacoplamento completo. O debate agora envolve quais setores devem ser protegidos, quais podem permanecer abertos à concorrência externa e até que ponto a Europa está disposta a fechar seu mercado caso a China não ofereça acesso equivalente.

A redefinição da relação entre Alemanha e China simboliza uma transformação mais ampla da economia global, marcada pela fragmentação das cadeias produtivas e pela competição entre grandes potências. Para Berlim, o desafio será equilibrar pragmatismo econômico, segurança estratégica e preservação de sua base industrial no longo prazo.

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