Guerra se despede do Grêmio e torce por nova gestão: “Se tiver sorte, que ganhe um título”
Guerra responde quais são as saídas financeiras para o Grêmio
Coube à reportagem do ge fazer a última foto de Alberto Guerra na mesa da presidência da Arena do Grêmio após três anos de gestão (2023-2025). O agora ex-presidente tricolor, que entregou o cargo nesta segunda-feira à noite para Odorico Roman, colocou a administração no divã.
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Ao contrário do que a torcida — ou ao menos parte dela — possa pensar, Guerra diz ter motivos para se orgulhar ao fim do trabalho. Cita a valorização do elenco, que passa a ter jogadores com potencial de venda, como Gustavo Martins, Wagner Leonardo, Gabriel Mec e Alysson, e o trabalho feito nas categorias de base, que tem no sub-17 nomes de talento como Thiaguinho e Luis Eduardo, da seleção brasileira.
Também foi na gestão Guerra que a Arena finalmente passou a ser do Grêmio. Claro, com o investimento fundamental do empresário Marcelo Marques que doou a gestão do estádio para o clube.
Alberto Guerra Marcelo Marques Arena do Grêmio
Angelo Pieretti/Divulgação Grêmio
Por outro lado, os resultados dentro de campo estiveram longe do esperado pelos gremistas. O vice-campeonato brasileiro de 2023 veio com nada menos do que Luís Suárez no elenco. Nos dois anos seguintes, o time rondou o rebaixamento no Brasileirão e, em 2025, perdeu o Gauchão para o maior rival.
Fora das quatro linhas, a situação tornou-se tensa. A dívida do clube cresceu R$ 220 milhões. O valor da dívida com os empresários Celso Rigo e Marcelo Marques é de R$ 143 milhões.
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Alberto Guerra encerrou mandato de três anos na presidência do Grêmio
Rafael Favero / ge.globo
Alberto Guerra, que no momento retorna à advocacia e acredita que não voltará à vida política do Grêmio, repassa os últimos três anos do clube em conversa com o ge. Veja abaixo.
ge — O senhor destaca que o elenco se valorizou ao longo da gestão, mas por que não houve resultado dentro de campo?
Alberto Guerra — Quando todas as peças estiverem à disposição, temos um time bastante competitivo para a próxima gestão. Obviamente, algumas peças podem ser trocadas, mas tem uma espinha dorsal muito boa. Agora, por que não alcançamos os objetivos desportivos esse ano? Eu elencaria três situações. A primeira, a gente errou. Lembro de alguns jogos que, antes dessas contratações da última janela, estivemos muito próximos de vitórias. A bola não entrou por pouco, e não entrar por pouco é erro nosso. E, às vezes, tomava uns gols infantis.
A segunda questão é que esse ano sofremos absurdamente com o número de lesões. Nós tivemos 12 lesões traumáticas e 11 cirurgias. Isso não é normal. Quando traçamos as estatísticas dos últimos anos, às vezes é zero, às vezes é dois. Talvez um clube que tenha sofrido muito é quatro, cinco, mas 12 traumáticas com 11 cirurgias é algo que acaba impactando, porque normalmente são paradas muito longas. Então, não conseguia repetir muito a equipe.
Para ter uma ideia, mesmo após a janela que fizemos — todo mundo disse que foi uma excelente janela do Grêmio —, em um dado momento, dos oito jogadores contratados, tínhamos seis fora por lesão.
E acho outra razão, sem ser choro de quem não alcançou os objetivos. Eu entendo que a arbitragem é normal se equivocar, errar, tem o que ganha e perde normal nos campeonatos brasileiros, mas acho que esse ano é um consenso até nacional, quando eu falo com outros presidentes, que o Grêmio é um dos mais prejudicados pela arbitragem. Tem muito ponto deixado ali para trás.
Guerra comenta o porquê o time do Grêmio não deu resultado
Se a sua gestão não tivesse passado pela enchente e pelas lesões deste ano, onde o time poderia ter chegado?
— O “se” nunca sabemos. Mas eu vejo nessa gestão, especialmente na parte desportiva, que a enchente como um divisor de águas. Estávamos numa crescente, fizemos um 2023 muito bom.
Então, mesmo com a saída do Suárez, conseguimos aumentar mais ainda o quadro social, disputar uma Libertadores. E aí, no meio da fase de grupos, ali acontece essa tragédia que, inclusive, levou junto vários projetos nossos que não tinham a ver, notadamente, com o campo, com o futebol, mas outros projetos, como o fundo (para investimentos) que pensávamos fazer, a história da cidade do Grêmio*. E aí estava aquela triangulação entre prefeitura, Multiplan e Grêmio. Aí isso interrompe a negociação.
*Cidade do Grêmio: Projeto no conceito de “cidade inteligente” que seria construído em terreno ao lado da Arena, a ser adquirido. O objetivo é reunir estruturas da base, masculino e feminino em um só local junto a complexos de saúde e entretenimento. O Grêmio iria ceder parte da área da Escola de Futebol, no bairro Cristal, para a empresa Multiplan construir mais um trecho de orla. O dinheiro seria utilizado pelo Grêmio para adquirir o terreno da Cidade do Grêmio.
Vários projetos acabaram interrompidos por um longo tempo. Depois, um ano que, pela primeira vez na história, se antecipou muito a questão eleitoral. Começou muito cedo e com várias pessoas participando, desistindo e voltando. Isso também de certa forma, apesar de não estar sob o nosso controle, acaba, no mínimo, não ajuda.
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A contratação do Luís Suárez foi o maior acerto da sua gestão?
— Sem dúvida nenhuma que o Suárez marcou. Acho que teve outros acertos também, mas pelo que ele representa para o futebol mundial, eu acho que o Grêmio teve jogadores que depois, quando saíram daqui, se tornaram grandes estrelas mundiais.
Mas eu acho que foi o jogador que já é uma estrela mundial, o mais importante que o Grêmio contratou, já consagrado. Ainda que muitos duvidassem da capacidade dele, a gente apostou e apostou alto.
Suárez e presidente Alberto Guerra na chegada do centroavante
Lucas Uebel/Grêmio
Teve vários clubes brasileiros que não entenderam da mesma forma quando ele acabou sendo oferecido antes de vir para o Grêmio. Acabou sendo uma grande experiência do ponto de vista esportivo. Ele foi um gênio da bola. Grandes partidas, gols memoráveis e foi o grande ápice da gestão na parte do futebol
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O Grêmio tem uma dívida de R$ 143 milhões em empréstimos com os empresários Celso Rigo e Marcelo Marques. Não tinha outra alternativa para conseguir dinheiro?
— Primeiro, eu acho que, pelos resultados das eleições, o torcedor gosta dessa figura. Eu acho que ficou muito escancarado nessa última aí, porque o apoio, especialmente do Rigo fez muita diferença. Segundo, assim, quando chegamos em novembro de 2022, já financiamos junto a uma instituição bancária, o pagamento dos salários de novembro de 2022, dezembro de 2022, férias proporcionais, décimo terceiro, então, uma terceira folha, e o prêmio de subida. Isso consumiu todo esse financiamento.
Aí começa 2023 e nós tínhamos um time que estava vindo da Série B, que acho que a maioria, ou todos, viam que era insuficiente para jogar uma Série A. E aí tá a decisão, né? Ou não se endivida e joga com esse time. E o Celso sempre se mostrou muito solícito. Eu tenho o maior agradecimento por ele. Ele foi muito parceiro dessa gestão. Até porque é muito melhor as condições com ele do que com uma instituição bancária. E aí trouxemos dois jogadores (Crisltado e Carballo). Teve um terceiro que contratamos com as próprias dispensas do clube, que foi o Pepê, do Cuiabá, que é o que cabia no bolso naquele momento. Todos os outros vieram livres (sem contrato).
A partir daí começamos a estruturar outras formas de receita, especialmente a de um fundo. Mas quando estávamos colocando isso em prática, veio a enchente. Todos aqueles empresários que aparentemente antes demonstravam interesse em ajudar foram atingidos pelas águas, seja patrimônio particular, seja empresa ou funcionários. Começou esse ano, nós ainda com a ideia com o fundo, sentimos uma dificuldade de atrair os investidores pela incerteza das eleições.
Guerra comenta dívida contraída pelo Grêmio com Celso Rigo e Marcelo Marques
Mas acho que agora, no início de uma gestão, talvez seja o melhor momento de colocar esse produto (fundo de investimentos), porque ainda tem, no mínimo, três anos pra ter esse relacionamento e poder trabalhar depois nesse ressarcimento. É um fundo que vai investir no Grêmio, mas temos que pagar o fundo de volta. Não deixa de ser um empréstimo.
Vivemos um hiperinflacionamento do futebol também. Os custos do futebol aumentaram muito. E quando está ali na parte da tabela que, de certa forma, corre algum risco, te faz ter que investir para não correr o risco de perder ainda mais.
As receitas podem aumentar de acordo com a tua posição na tabela. E essa é a busca, como é que se chega na parte de cima? Tem que investir no futebol, tem que investir nas categorias de base. Ao longo dessa gestão, nós aumentamos em 50% o investimento na base. Nós tivemos resultados expressivos nas categorias de base, mas o principal de tudo é olhar para lá e ver, o que é que tem uma safra muito boa de jogadores para subir nos próximos anos. Isso vai fazer com que o Grêmio ganhe não só na parte desportiva, mas também que ganhe na parte econômica. Isso se manter a situação associativa.
Outra forma de sair dessa situação é realmente achar um investidor, que acho que essa não é a intenção do Grêmio, por enquanto, mas que tenha uma filosofia parecida com a nossa, de longo prazo, e que possa, aí sim, aportar recursos.
Acredita na criação da liga de clubes? E como o Grêmio deve se posicionar na disputa entre Flamengo e Palmeiras e como combater essa “espanholização” do futebol brasileiro?
— Acredito que no fim desse contrato de televisão de cinco anos, inclusive com a Globo, haja uma união de todos os clubes e a Liga seja formada. A questão agora ficou um pouco polarizada por Flamengo e Palmeiras, que estão mais endinheirados, mais organizados, mas cada um com estratégias diferentes, não são as mesmas estratégias. O Grêmio tem que encontrar a sua para chegar lá.
Mas essa é uma situação factual que aconteceu muito mais esse ano, até por alguma disputa política dos dois e também no campo, mas existem vários outros partícipes fortes que ao longo até dessa gestão enfrentamos e que eram candidatos desconhecidos em 2022. O Botafogo, a quantidade de dinheiro que colocou ao longo dos anos para conseguir a Libertadores e o Brasileiro do ano passado, o próprio Bahia, o Cruzeiro do Pedrinho, que não é o mesmo do Ronaldo, o Atlético-MG, clubes que tinham uma condição muito parecida com a do Grêmio ou abaixo e que de 2023 para cá passaram a ter um poder aquisitivo de investimento muito maior que o Grêmio.
Acho que temos que cuidar, olhar para dentro, tentar achar os nossos meios, para chegar numa condição também dessas favoráveis. O Grêmio teve essa oportunidade no passado. Deixamos escapar um pouco quando no outro ciclo. Tínhamos uma condição muito favorável, quando ganhou os títulos, quando vendeu atletas por alto valor. Acabou que com a queda, nossa receita caiu 60% do que é hoje. Recuperar de lá até chegar numa condição do Palmeiras, isso requer no mínimo 10 anos. O Palmeiras está há 10 anos nesse processo, começou com Paulo Nobre, Galiotte, Leila. O Nobre colocou lá uma quantidade imensa de dinheiro, que se fosse atualizar para hoje, estava quase na casa do bilhão, para poder organizar a casa.
Alberto Guerra comenta formação da liga de clubes e briga de Palmeiras e Flamengo
O que gostaria de ter feito e não fez nesses três anos de gestão?
— O fundo era algo que eu gostaria de ter finalizado, obviamente, mas acho que tem outras coisas. Eu sou muito apaixonado pela ideia da cidade do Grêmio. Gosto de pensar o Grêmio para o futuro, de projetos assim.
Eu me sinto muito orgulhoso de ter conseguido, nessa gestão, resolver a questão da Arena. Mas se fosse um pouco antes. Tem tanta coisa para fazer aqui também. São 28 mil metros de área que se pode aproveitar dentro do estádio, como um shopping center. Tem tanta coisa boa que se pode criar também no entorno, no bairro.
Mas sabemos que do ponto de onde pegamos e da onde está entregando, nós fizemos muito. Deixamos um grande legado. Agora, o futebol tem essas coisas. Às vezes a bola entra, às vezes não. Infelizmente, esse ano, eu reconheço, não fomos bem e a bola não entrou.
O senhor errou na contratação do técnico argentino Gustavo Quinteros no início desta temporada?
— Acho ele um grande treinador. Temos que lembrar que quem saiu foi o Renato. Era um ciclo que estava se encerrando, ele mesmo estava cansado. Então, ele precisava também dar uma descansada. O Renato sai e parece que ele é aquele vácuo. É difícil, porque ele mesmo sabe da entidade que ele representa para o Grêmio, para a nossa torcida, para os funcionários, para todo mundo. Aquela pessoa que leva o Grêmio também em cima dos ombros.
Independente de quem viesse, substituir o Renato era algo muito difícil. E aí, eu posso te dizer, esse não é um arrependimento. Muitas vezes, fomos pressionados em tirar o Renato, em tirar o Mano esse ano. E não tiramos. Acompanhando, vimos que esse modelo que o Quinteros queria introduzir aqui talvez demorasse muito tempo para ser bem sucedido com os jogadores que nós tínhamos à disposição.
Trabalhei com três treinadores. Sempre falamos em continuidade. Continuidade é importante. Na continuidade, vai ter momentos ruins. Sempre primei pela continuidade dos trabalhos. Não só nos treinadores, como em outras áreas. Entendendo que isso é um dos pilares fundamentais para ter sucesso ali na frente.
Alberto Guerra responde se vai voltar para a política do Grêmio
Você vai voltar à vida política do Grêmio?
— Hoje eu diria que muito pouco provável. Eu acho que eu cumpri meu ciclo mesmo, sinceramente. Comecei muito jovem, passei por diversas áreas, depois de presidente, acho que o próximo cargo daqui é o sofá de casa.
Fui chamado em muitos momentos ruins do clube, e esse foi um deles. E acho que cumpri minha missão, tenho que dar lugar para os novos.
Se pegar minha trajetória, primeiro em 2010, eu chamei o Rui Costa comigo, hoje é executivo (do São Paulo). Já antes disso, eu estava como diretor, eu aconselhei o Rui Costa a botar o Cícero Souza de executivo, que ele era da logística, que tem passagens por Palmeiras e Seleção Brasileira.
Em 2016, eu trouxe o (Alexandre) Rolim comigo, que era o executivo também do futsal do Brasil, e o próprio (Antônio) Dutra (vice de futebol da nova gestão), que nunca tinha tido experiência. Pegar na minha gestão de presidente, todos eles são pessoas novas, que não estavam naquele ambiente, que sempre eram os mesmos que iam para o futebol, sempre busquei inovar, botar pessoas novas, dar experiência.
Eu tenho certeza que, se eu voltar, é porque o Grêmio não vai estar bem. Se estiver bem, não vão precisar me chamar.
Qual o recado que o senhor deixa para a gestão de Odorico Roman?
— Quem sou eu para dar recado? Eu vou torcer muito que eles tenham sucesso, que consigam também deixar o Grêmio melhor do que pegaram. Se tiver um pouco de sorte, que ganhe um título. E que tenha três anos. Todos os clubes, em algum momento, vão mal, vão bem. E que ele tenha, então, resiliência e tenha paciência, porque, ao mesmo tempo que é muito compensador e prazeroso ser presidente da maior instituição do Rio Grande do Sul, também a cobrança é grande.
Alberto Guerra deixa recado para a nova gestão do Grêmio
E o recado para a torcida do Grêmio?
— Para a torcida é somente agradecer e que eles continuem apoiando, seja quem estiver aqui. Ela é a razão de existir do Grêmio.
Que se associem, quem não é sócio, porque essa é uma das formas de tornar o Grêmio autossustentável. O Grêmio tem 10 milhões de torcedores pelas pesquisas, e se 3% deles forem sócios do Grêmio, estamos falando em algo como 300 mil pessoas. E isso não é um absurdo pensar em 3% e que isso daria uma sustentabilidade para o clube e poder continuar investindo, sabendo que vão errar, vão acertar, mas que continuem apoiando, continuem acreditando, não desistindo, que somos feitos de luta e logo ali vamos voltar aos títulos.
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