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Mundo pode registrar primeira alta em mortes infantis em 25 anos

Mundo pode registrar primeira alta em mortes infantis em 25 anos

 Rede SUS recebe vacina contra vírus sincicial respiratório
Depois de 25 anos de queda contínua, o mundo deve voltar a registrar um aumento nas mortes de crianças menores de 5 anos. A projeção faz parte do relatório Goalkeepers 2025, da Fundação Gates, que estima um salto de 4,6 milhões de mortes em 2024 para 4,8 milhões em 2025 — um acréscimo de 200 mil vidas perdidas em apenas um ano.
O documento descreve 2025 como um “ponto de virada” em que avanços tecnológicos convivem com sistemas de saúde fragilizados, cortes em financiamento e desigualdades ampliadas. A combinação, segundo os autores, ameaça desfazer parte do progresso que reduziu pela metade a mortalidade infantil desde o início dos anos 2000.
Prefeitura de BH prorroga campanha de vacinação contra a paralisia infantil
Divulgação/PBH
Por que as mortes estão voltando a subir
Não há uma única causa, mas uma convergência:
queda nas coberturas vacinais,
enfraquecimento da atenção primária,
retorno de doenças evitáveis,
insegurança alimentar e vulnerabilidade social,
sistemas de saúde sobrecarregados e desiguais.
Para o pediatra e infectologista Renato Kfouri, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), o cenário global reflete uma “combinação perigosa”. Ele cita queda nas taxas de vacinação, aumento da pobreza e impacto residual da Covid-19 na estrutura de saúde:
“É um conjunto de fatores que pressiona todos os indicadores. A pandemia desacelerou muito as quedas e expôs fragilidades profundas. Quando sistemas de saúde não conseguem responder, esses retrocessos aparecem primeiro nas crianças.”
Kfouri relembra que a mortalidade neonatal — mortes nos primeiros 28 dias — continua sendo um dos pontos mais críticos.
“As principais causas de morte infantil ainda estão associadas à gestação, ao parto e às infecções preveníveis. A chave para virar esse jogo está justamente nas vacinas e no fortalecimento da atenção básica.”
Vacina contra a Covid-19 passa a fazer parte do calendário nacional de vacinação infantil de rotina
Prefeitura de Jundiaí/Divulgação
Vacinação baixa aumenta internações e mortes
O relatório aponta que a queda na vacinação é um dos fatores centrais para o aumento das mortes infantis. No Brasil, essa relação já aparece na prática: hospitais registram mais internações e óbitos por doenças evitáveis, especialmente entre não vacinados.
Diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), o pediatra Juarez Cunha explica que a baixa adesão a vacinas que já estão disponíveis leva a um aumento imediato de internações e de mortes:
“Quando uma vacina deixa de ser aplicada, reflete nos números. No Rio Grande do Sul, a maioria das pessoas que foram internadas e morreram por influenza este ano não estava vacinada —e estamos falando de uma vacina que está disponível.”
Ele relembra que, entre crianças, a cobertura de gripe não chegou a 50% em 2024, o que amplia o número de casos graves.
A pediatra Isabella Balallai, também diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), destaca que o efeito não é apenas individual:
“Com baixa adesão, a demanda explode. E, dependendo da estrutura do serviço de saúde, isso leva a consequências muito importantes, não só para a criança, mas para a saúde pública inteira.”
Atenção primária frágil amplia risco de mortes evitáveis
Segundo o relatório, até 90% das mortes infantis poderiam ser evitadas com atenção primária forte, que inclui:
pré-natal adequado,
acompanhamento do bebê,
acesso a vacinas,
detecção precoce de infecções,
nutrição segura.
Cunha reforça essa visão:
“Grande parte das mortes infantis é evitável. O pré-natal de qualidade é decisivo, porque muitos óbitos ocorrem no período neonatal. Se não cuidamos bem da gestante, essa morte aparece depois no bebê.
Inovações que podem reverter a tendência
O documento destaca avanços capazes de salvar milhões de vidas:
Vacinas maternas, como a do vírus sincicial respiratório (VSR), recém-introduzida no Brasil.
Esquemas reduzidos de pneumocócica (PCV), que mantêm proteção e reduzem custos.
Tecnologias contra malária, como mosquiteiros com duplo inseticida e mapas digitais para direcionar ações.
Tratamentos de longa ação para HIV, que diminuem novas infecções e mortes em bebês.
Para Cunha, a vacinação materna contra o VSR é emblemática:
“É uma estratégia com impacto enorme: protege o bebê antes mesmo do nascimento. Mas, para funcionar, a adesão precisa melhorar — e isso vale para todas as vacinas da gestante, como gripe, Covid-19, coqueluche.”
Criança sendo imunizada contra a poliomielite em Porto Velho; paralisia infantil; gotinha; vacinação
Divulgação/Prefeitura de Porto Velho
E o Brasil? País avança, mas desigualdades preocupam
Ao contrário da tendência global apontada pela Fundação Gates, o Brasil tem registrado queda recente na mortalidade infantil, segundo o Ministério da Saúde. Os especialistas ouvidos pela reportagem, porém, fazem um alerta: essa melhora não é homogênea.
Eles destacam que existem regiões com 100% de cobertura vacinal e outras, mais vulneráveis, “com índices muito baixos dentro da mesma cidade”:
“Essa desigualdade de acesso cria bolsões de risco. Foi o que vimos desde 2016, quando as coberturas começaram a cair e as mortes por doenças imunopreveníveis subiram. Agora estamos recuperando as coberturas, e isso se reflete nos números”, diz Cunha.
Kfouri complementa que o Brasil tem vantagens — como o SUS e um PNI robusto —, mas não está imune ao cenário global:
“Quando há fragilidade sistêmica, a criança é sempre a primeira a adoecer e a primeira a morrer. A lição do mundo vale para nós também: sem cobertura vacinal alta e atenção básica forte, as mortes evitáveis voltam.”
O que está em jogo
O relatório projeta que cortes internacionais em saúde podem resultar em:
12 milhões de mortes infantis adicionais até 2045, se o corte for de 20%;
16 milhões de mortes, se o corte chegar a 30%.
Ao mesmo tempo, inovações já disponíveis poderiam salvar até 9 milhões de crianças no mesmo período — combinando vacinas de nova geração, prevenção de malária e imunização materna.
O futuro, dizem os autores, depende de uma escolha global: continuar perdendo terreno ou investir para que as crianças sobrevivam aos primeiros anos de vida, o período mais vulnerável da existência humana.
EUA mudam diretriz de vacinação infantilg1 > Mundo Read More