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O que é a frota de navios fantasmas que os EUA acusam a Venezuela de usar para burlar sanções e exportar petróleo?

O que é a frota de navios fantasmas que os EUA acusam a Venezuela de usar para burlar sanções e exportar petróleo?

 Segundo estimativas de analistas, a frota clandestina reúne cerca de 1.300 embarcações
AFP
Em 2019, quando o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, impôs sanções ao setor petrolífero da Venezuela para pressionar o governo do presidente venezuelano, Nicolás Maduro, as exportações do país caíram para cerca de 495 mil barris por dia.
Seis anos depois, as sanções seguem em vigor, mas as vendas externas de petróleo voltaram a crescer e hoje giram em torno de 1 milhão de barris diários.
Mesmo assim, o volume ainda é baixo para um país que, em 1998, antes da chegada de Hugo Chávez (1954-2013) ao poder, produzia 3 milhões de barris por dia.
A recuperação parcial, porém, indica que as sanções não têm surtido o efeito esperado pelos EUA.
Isso porque o governo Maduro vem encontrando formas de reativar a produção e criar novas rotas para comercializar o petróleo venezuelano, contornando as restrições.
Nessa estratégia de comercialização, desempenha papel central a chamada “frota fantasma”: um conjunto de petroleiros que, por meio de diferentes artifícios, conseguem ocultar sua atividade como navios que transportam petróleo autorizado pelas autoridades americanas.
EUA interceptam e apreendem navio petroleiro perto da costa da Venezuela
Uma dessas embarcações foi interceptada e apreendida nesta quarta-feira (10) pelas Forças Armadas dos Estados Unidos, quando navegava em águas próximas à costa da Venezuela.
“Acabamos de apreender um petroleiro na costa da Venezuela, um petroleiro grande, muito grande; na verdade, o maior já apreendido”, disse Trump ao anunciar a operação à imprensa na Casa Branca.
O governo Maduro reagiu, classificando a ação como um “roubo descarado e ato de pirataria”, e afirmou que recorrerá às instâncias internacionais disponíveis para denunciar o ocorrido.
A apreensão aumenta as tensões com o governo Maduro que vêm se intensificando desde agosto, quando o governo Trump lançou uma ampla operação militar no Caribe.
A justificativa oficial é o combate ao narcotráfico, mas analistas acreditam que o objetivo final é pressionar uma mudança de regime na Venezuela.
Além de seu possível objetivo político, a medida tem efeito econômico direto, ao dificultar ainda mais as exportações de petróleo da Venezuela e aumentar a pressão sobre a chamada frota fantasma.
Mas o que se sabe sobre a forma de operação dessas embarcações?
A apreensão do navio é parte das pressões de Trump sobre Nicolás Maduro
Getty Images via BBC
Um fenômeno em expansão
O uso de frotas fantasmas é um fenômeno em expansão e não se limita ao caso venezuelano.
Países como Rússia e Irã, também produtores de petróleo e alvos de sanções dos EUA e de outras potências ocidentais, recorrem a práticas semelhantes.
A empresa de inteligência financeira S&P Global estima que 1 em cada 5 petroleiros no mundo seja utilizado para contrabandear petróleo de países sob sanções.
Desse total, 10% transportariam exclusivamente petróleo venezuelano; 20%, petróleo iraniano; e 50%, petróleo russo. Os 20% restantes não estariam vinculados a um único país e poderiam levar cargas de mais de um desses produtores.
Segundo estimativas da empresa de análise marítima Windward, a frota clandestina reúne cerca de 1,3 mil embarcações.
As sanções petrolíferas buscam desestimular países ou empresas a adquirir ou participar de qualquer operação relacionada ao petróleo proveniente dos países punidos.
Diante disso, os países sancionados optam por oferecer seu petróleo com grandes descontos, para atrair operadores, empresas ou governos dispostos a assumir o risco da compra, aplicando, claro, alguns artifícios para disfarçar a origem do produto.
Navios que enganam
Uma das estratégias mais comuns desses petroleiros para escapar das sanções é mudar de nome ou de bandeira com frequência, até mesmo várias vezes no mesmo mês.
Navios petroleiros aguardam carregamento no lago de Maracaibo
Getty Images via BBC
O navio apreendido nesta quarta-feira (10) é a embarcação The Skipper, segundo a CBS News, parceira da BBC nos Estados Unidos.
A emissora informou que o petroleiro está sob sanções do Departamento do Tesouro dos EUA desde 2022, por supostamente integrar uma rede de contrabando de petróleo que financiaria a Guarda Revolucionária do Irã e a milícia xiita libanesa Hezbollah.
Segundo a CBS, quando foi sancionado, o navio se chamava Adisa (e antes, The Tokyo) e estava ligado ao magnata russo do petróleo Viktor Artemov, também alvo de sanções.
Ao comentar o caso nesta quarta-feira (10), a procuradora-geral dos EUA, Pam Bondi, afirmou na rede social X que a embarcação era usada para transportar petróleo da Venezuela e do Irã, ambos sob sanções.
Um ponto interessante sobre o navio The Skipper é que ele tem 20 anos. Esse é outro traço comum da frota fantasma, muitos navios são antigos, já que grandes companhias de navegação costumam descartar embarcações após 15 anos de uso, e, depois de 25 anos, enviá-las ao desmanche.
Outro truque usado por esses navios é a apropriação da identidade de embarcações já enviadas ao desmanche, por meio da emissão dos números de registro únicos atribuídos a esses navios pela Organização Marítima Internacional.
Assim, tornam-se os chamados navios zumbis, pois operam como alguém que utiliza a identidade de uma pessoa morta.
Um caso desse tipo ligado à Venezuela ocorreu em abril, quando um navio chamado Varada chegou às águas da Malásia após zarpar dois meses antes da Venezuela.
A embarcação reunia dois sinais de alerta: tinha 32 anos e navegava sob a bandeira das Comores (costa leste da África), popular entre navios que desejam evitar detecção.
Uma investigação da agência Bloomberg revelou que o Varada era, de fato, um navio fantasma — o original havia sido desmontado em 2017, em Bangladesh (Sul da Ásia).
Outras práticas frequentes desses navios incluem “disfarçar” a origem do petróleo, transferindo a carga em águas internacionais para petroleiros sem restrições legais e com outras bandeiras.
Esses segundos navios seguem então até o destino final e apresentam o petróleo como se fosse proveniente de um país não sancionado.
Esse tipo de operação ocorreu, por exemplo, nas exportações de petróleo venezuelano para a China durante o primeiro mandato do governo Trump.
Segundo especialistas ouvidos pela BBC News Mundo (serviço em espanhol da BBC), houve um período em que as estatísticas oficiais chinesas registravam que o país não comprava petróleo da Venezuela, embora, na prática, comprasse.
Isso era possível porque algumas refinarias adquiriram petróleo desses navios que haviam recebido a carga em águas internacionais e a declaravam como originária de países não sancionados.
Um último artifício recorrente entre esses petroleiros é desligar o Sistema de Identificação Automática (AIS, na sigla em inglês), que transmite dados como nome, bandeira, posição, velocidade e rumo da embarcação.
A manipulação dessas informações permite ocultar identidade, localização e trajeto do navio.
O avanço da frota fantasma
Uma investigação publicada pela Bloomberg em abril identificou quatro navios zumbis que transportavam petróleo venezuelano.
A agência analisou imagens de satélite e as comparou com fotos históricas das embarcações cujos nomes e números de identificação estavam sendo usados.
Mais recentemente, a ONG Transparência Venezuela divulgou um relatório baseado na movimentação observada nos portos petrolíferos do país em outubro deste ano.
Segundo o documento, 71 petroleiros estrangeiros operaram de forma visível nos portos da estatal venezuelana Pdvsa — estatal responsável pela exploração, produção e exportação de petróleo no país; desses, 15 estão sob sanções e nove têm ligação com frotas fantasmas.
A ONG Transparência Venezuela identificou, em média, 24 petroleiros posicionados nas proximidades de três portos no oeste e no leste do país, operando em modo furtivo, sem transmitir os sinais obrigatórios de localização.
A organização também afirma ter detectado seis operações de transferência de carga entre navios na região da baía de Amuay, no oeste da Venezuela.
Além disso, a maior parte das embarcações navegava sob bandeiras de países considerados paraísos fiscais, cujas regras de supervisão são mais brandas e facilitam a atuação desse tipo de navio.
Assim, dos 71 petroleiros identificados, 29 tinham bandeira do Panamá, 6, das Ilhas Comores e 5, de Malta.
No relatório, a Transparência Venezuela afirma que 38 dessas embarcações passaram mais de 20 dias sem atracar, em contraste com os navios da petroleira americana Chevron, autorizada pelos EUA a operar na Venezuela, que chegam, carregam o petróleo e deixam o país em até seis dias.
“A permanência prolongada nas áreas portuárias do país, sem atracar diretamente nos terminais petrolíferos, levanta sérias dúvidas sobre o tipo de operação realizada por esses navios”, afirmou a ONG, em referência às embarcações que permaneciam vários dias sem atracar.
De todo modo, como a operação de interceptação e apreensão desta quarta-feira (10) partiu do porta-aviões Gerald Ford, o maior do mundo, que agora integra o amplo deslocamento militar dos EUA no Caribe, diante da Venezuela, é provável que a capacidade do governo Maduro de recorrer à frota fantasma fique significativamente reduzida.g1 > Mundo Read More